Nosso sertão

Eu nasci no sertão

Lá onde o sêmen da vida fecundou a manjedoura do meu chão

Úmido e quente

Ainda que me arrancassem de lá

Para que o sol nascesse primeiro entre as montanhas

Mas o sertão nunca deixou de ser

Antes da visão

Lá onde os poentes se conservam na chegada de todas as noites

E de todos os seres de raízes e troncos retorcidos

Que eu acolho nesse corpo tão afeto à humanidade dos rios

Que me nutrem na secura do mundo

Conservando-me úmida e quente

Eu nasci no sertão

Esse tempo de lua que me diz ardente

O sol

Queimando em meu corpo derretido em remanso

Que acena o impossível

Leva e chama

Como chamam as madrugadas que me acordam com o uivo do vento

E com as confissões dos seres que se guardam em segredos

Eu ouço

Essa língua intraduzível que em mim introduz

Tudo o que morre para viver

Tudo o que aquintala o grito

Tudo o que se alimenta nos barrancos

E ama a noite e as ruínas

O choro

De ser fêmea, eu procrio o choro

E chovo no sertão que me é

Lá na origem

Onde o sertão pariu o mundo

Nos animais que o são

Em nós

Antes das vestes que nos deram

Sem saber que nunca deixaríamos de aguardar a nudez das tardes

A mira pontual entre as manhãs e as noites

A hora das manjedouras

Quando o sol vai dormir na lua

Lá onde sempre será natal...