Nu

Nenhuma roupa.

Como o rei.

Nu.

Cobriste tua pele com os tecidos mais nobres,

tua posição, teu trabalho, teus pertences

e tudo o mais que pudesse te camuflar o espírito.

Em vão.

Tua dor grita e se esgueira entre as brechas,

lançando cinzentos raios para fora de ti.

Atingem distâncias, rasgando os olhos

de quem consegue te ver,

assim translúcido e martirizado.

Mas ferem mais tua alma em chamas, despedaçada,

desmanchando-se lentamente

na noite escura e infinda do teu sofrer.

Lançaste a ti mesmo uma maldição que te está fundida ao calcanhar

e quando caminhas, te oprime o andar,

para que nunca te esqueças da angústia que,

como uma peste, te consome, de dentro para fora...

Nenhuma roupa.

Como o rei.

Nu.

Tudo te pode cobrir a pele intacta, mas a consciência dilacerada

vomita a solidão que te habita o interior

e exibe o âmago vazio do teu coração,

que padece pela ausência de amor,

pálida e triste sombra do que um dia foi.

Nu, enxergo tua covardia, rubra,

escorrendo por todos os teus poros.

A redenção está ao alcance da tua mão direita

Mas não a vês, com teus olhos vazados

pelas bicadas lancinantes da vaidade.

Cego, inventas um mundo irreal para te iludires de que vives.

Neste fictício mundo, podes ser tudo, ter tudo e tudo fruir.

O inexorável tempo, dissimulado,

arranha teu destino, encobre os caminhos que poderias trilhar

para, finalmente, ultrapassar a dor.

Um Prometeu humano, miserável e execrado...

Novo dia se aproxima e o ciclo se reinicia...

Nu.

Como o rei.

Nenhuma roupa...

20.12.1990

Lyzzi
Enviado por Lyzzi em 04/03/2018
Código do texto: T6270849
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.