Basílica ... Alma ... Memória

. Basílica

.

O sol desenha pássaros de luz

projecta formas luminosas

que eu imagino, aladas,

ali, no teto do meu refúgio.

Fez uma águia ou um falcão

esboçou um flamingo

ou talvez uma cegonha.

De alguma forma,

um artifício do meu astro

fez chegar a mim

a imagem de uma infância

quase inócua,

tão cheia de Domingos,

e de reflexos fugidios

feitos de fantasia

por um pedaço

de espelho partido.

Um mero caco espelhado

que o passar do tempo

não permitiu conservar;

um pedaço de vidro

reluzente e mágico

mesmo à medida

de se ocultar

ora na concha da mão

de uma criança

ora na sarja puída

do seu próprio bolso.

Pois que era desse bolso

tão pequenito,

era da concha daquela mão

de menino

que se operava a maravilha

de se erguerem até ao alto

aqueles efeitos de luz...

Eram feitos, façanhas

da minha pessoa e do Sol

a consagrarem-se

no tecto altivo da Basílica.

Fazia todo o sentido:

a luz que banhava o frontispício

era a das manhãs de Verão;

a Basílica era a da Estrela

mas os reflexos de um caco

de espelho partido

eram meus

e só a generosidade

que vive nos sonhos lindos

permitia dedicar, assim,

ao Deus dos Domingos

as minhas figurinhas

aladas de Sol e fantasia.

Claro que eu ostentava, então

o orgulhoso sorriso

da minha melhor maroteira;

Claro, que o sacristão

me escorraçava

sonoro e esbracejante,

da portaria do templo.

Claro que o céu

era a verdade límpida e azul

da genuína casa de Deus

ou do longe mais que longe...

Por conseguinte

as minhas imagens de luz

podiam não alcançar

os confins celestiais

tampouco chegar a Deus

mas eram devaneios graciosos

pelas sombras dos tectos

e das gentes

como era magia o sorriso

e o brilho de estrelas

nos meus olhos de criança.

Ali, naquela Basílica

onde jaze um pretérito

eventualmente perfeito...

ali, pela complacência

do leito e das margens do tempo

ali, em ser eu ainda

este que, agora, olha o tecto

tão baixo do seu quarto

aqui ou além, ainda sou,

e em ser retenho

um certo olhar que remanesce

de momentos evadidos ao tempo

e de uma verdade igual a mim

deitada na minha cama

encastrada no meu pasmo,

no meu zénite, na minha mão

e no fundo do bolso de sarja.

Mesmo que já não exista

o tal caco de espelho

os reflexos ainda flúem

de mim para lá,

o alto tão baixo do quarto,

o perto, tão longe

da basílica ou do céu.

.

_________________________LuMe

Luis Melo
Enviado por Luis Melo em 26/03/2018
Código do texto: T6291454
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.