O CEGO DA PRAÇA
Havia um cego na praça
Sabia de tudo e todos um pouco
De deixar a gente sem graça
Bengala girando na mão
Em sua perene escuridão
Num sussurrar meio rouco
Contava o que não vira passar
Vinha-lhe sorriso ao lembrar
Da algazarra de crianças
Carregando esperanças
No eterno sempre sonhar
Os gritos típicos da juventude
Pedindo uma nova atitude
E horizontes iguais encontrar
Sentira perfume de flores
Ao brotar de tantos amores
Devia ser bom se enamorar
Escutara brigas de casais
Dizia haver filhos sem pais
Que faziam da praça o seu lar
Entristecia-se ao falar
Da Igreja saíram em procissões
Vozes em cânticos e orações
Penitentes aos pecados perdoar
Soube de tempos de confusões
Pelotões marchando em guarda
Sem saber do vencedor a cor da farda
Ouviu lamentos de gente a chorar
Cenas de alegria e desgraça
De coragem e de medo
Que ele não viu na praça
Em seu eterno imaginar
Cheio de dedos, com muito cuidado
Indaguei-lhe o segredo
De tanto momento guardado
O cego não se fez de rogado
Simples! Posso lhe ensinar
Coloque-se em meu lugar
Sentei-me no banco a seu lado
Cochichou-me baixinho aos ouvidos
Fique em silêncio, o olho fechado
Atenção aos outros quatro sentidos
Vi-me na escuridão do deserto
Acenderam-se imagens na memória
Sonhos, desejos, perfumes no ar
Tudo estava ali tão perto
O tempo pareceu-me voltar
As partes perdidas na história
Que apesar da luz nem percebi passar