Dias de sol largo

Dias de sol largo

Nesses dias de sol largo

As horas espiam o sono.

Às vezes se voltam

Contra os abandonos...

A camisa preta me espera,

A branca se desespera,

A chuva desaba sobre elas.

Nesses dias de sol largo

O tempo desfazido em nadas

Volta a sensibilizar,

O cão que o caminhão lesou

Inda manca sua dor,

A mulher apanhada, chora

O dia que a procurou,

No mesmo tempo a esmola

Deixa no esmoleiro

Um tanto o bolso teso,

A mão que ofertou moeda

Pede de volta o doado...

Nesses dias de sol largo

Mesmo a tarde núbia

Se parece madrugada

Com o tempo desavido d’hoje,

Do fazer nada...

A blusa de punho roto

Espera inda o frio novo,

Pensa neste varal

De inutilidades guardadas...

Vendo essas roupas gastas

Lembro pessoas gastadas

Pelas madrugadas...

Lonhito, todos velam

Pensando como viveu tanto

Bebendo pinga como água.

As tias que o sustentavam

Suspiram aliviadas.

Nesses dias de sol largo

Na praça da matriz

Quantos jogam suas vidas

No carteado...

Quantos pedem uma moeda

E se contentam com tão pouco...

Que vidas são essas

Que o não vivido é tolerado?

Nesses dias de sol largo

O futuro se afunila

Num pouco das alegrias

E um tanto mais de mágoas...

Como se fora sempre assim

Com o olvidar das jornadas

E esse fio de esperança

Nas palavras...

Nesses dias de sol largo

O que se fez de ternura, ou raiva,

Desfaz-se na ilusória

Sensação de vivido tudo

Enquanto não se viveu nada,

Que pudesse ser recordado

Sem uma lágrima.

Terminado o horário de verão

Até o verão se acaba

Num banho frio, sabonetado

Nessa última vontade:

Palavra por palavra

O desfazido se transforma

Em sonho novo

O mesmo sonhado vago

Entre o plano e o realizado.

sergiodonadio

sergio donadio
Enviado por sergio donadio em 22/02/2019
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