Natureza urbana

Nasce o sol por trás dum prédio

apagando as luzes dos postes.

Como flores, despontam antenas parabólicas

dos telhados e coberturas.

Chovem gotas d'água dos aparelhos de ar-condicionado.

Rugem carros, motos, caminhões.

À sombra dum prédio descansa um cão magro,

estendido como um morto ante a vida das máquinas;

sobrevoam o corpo inerte aviões, helicópteros, urubus.

O vento espalha folhas de papel

e faz dançarem sacos plásticos.

O sol brilha refletido nos prédios envidraçados,

para-brisas, espelhos, telas, chapas de metal.

Mexe um bicho no lixo, catando restos.

Zumbe um helicóptero pousando num prédio.

Mimetizado, um homem de terno -

entre dezenas de homens de terno -

entra num ônibus.

Como formigas, pessoas somem da superfície,

entrando num buraco, estação de metrô.

Predadora é a pressa, perigosos os carros velozes.

Zumbem também telefones, sirenes,

palavras num megafone, apitos.

Cantam os camelôs andando entre

uma manada de carros, caminhões, ônibus

parados, à espreita, diante do sinal vermelho.

Não se ouve o murmúrio do riacho negro de esgoto,

nem das ondas na praia, abafadas por motores

e escondidas por construções e outdoors.

Uma semente de papel amassado lançada na calçada:

há de nascer uma montanha de lixo.

Brotam tapumes e tatus tratores perfuram asfalto.

Pousam pombos nos fios.

Enquanto o sol se esconde atrás do viaduto,

nascem luzes no fim da tarde.

A noite revela uma constelação de postes,

letreiros luminosos, faróis, telas.

Migram os animais pras tocas, pros bares,

pras esquinas, pros ônibus lotados…

Não brilha a lua, mas o holofote da empena cega.

A TV em cada sala de cada apartamento

reluz como uma fogueira na mata.

Amanhã -

cedo demais pra quem se esquece (aquece?)

até tarde na frente da TV -

por trás dum prédio, nascerá o sol.