O VELHO ANJO DA LINGUAGEM...

Ele envelheceu para os primórdios, gurizou-se.

Seu vocabulário é de criança, ou de ave, talvez.

Tem alegria em não pensar sério, mas em brincar

de enfileirar palavras sem sentido ou nexo. Embora

eu atine isso muito sério e complicado. É quase um

delirar-se o tempo todo. Acriançou-se e se deu bem.

Desistiu de ser gente séria, caminhava para ser coisa.

Talvez uma roseira, um cravo, um pé de salsa ou salva.

Usava as palavras para desdizer e para rir de si mesmo.

As palavras passavam-lhe a ideia que ele queria delas...

Não a ideia que elas tinham de fato. Isso lhe tirava risos.

Isso lhe fazia diferente de todos, ele ria das coisas nulas.

Compreendeu que quanto mais séria parecesse a palavra,

mais dela dava para tirar graça; a palavra passou a ser o

seu palhaço particular e lhe fazia tanto bem não ser mais

ninguém sério ou comprometido. Seus dias ficaram leves.

Quem via de longe pensava fosse idiotice, mas era coisa

de gênio fazer a vida ser tênue e doce feito mel de abelha.

A sua boca agora era uma fábrica de levezas, fabricavam

curas de humor alheio, era como jogar sementes no poço

azul apenas para acordar o menino que ainda convive no

no corpo do velho destrambelhado. Ele aprendeu a usar

as nuvens escuras como teto e fazer noite qualquer hora

do dia. Ele simplesmente deita e dorme feito criança nova.

Se as palavras dele se esquivar, sua vida terminará na hora.

Ele se inventou para aguentar o peso dos anos, para suportar

as dores no corpo. E no dia que ele acordar sem nenhuma dor,

é que ele morreu e nem se deu conta. Neste dia ele se enlevará,

será anjo. Anjo lírico que reinventou a linguagem, criou um outro

mundo. Um mundo único, capaz de abrigar delicadeza e delírios!