O CADERNO ENCANTADO

(Cícero Manoel)

Meu pai enquanto viveu

Namorou com a poesia.

Toda vez que ele a via

A face dela beijava;

Namoraram muito tempo,

Acabaram se casando

E um filho, de vez em quando,

A poesia lhe dava.

Quando eu fiz oito anos

Meu pai foi até o mar

Com a morte duelar

Num dia que o sol sorria;

Na despedida me deu

Enquanto eu triste chorava,

Um caderno que guardava,

Palavras que escrevia.

Meu pai perdeu o duelo,

Nunca mais lhe avistei.

O seu caderno guardei

Como se fosse um presente;

Um dia abri o caderno,

Li umas palavras nele,

E vi meu pai sair dele

Sorrindo todo contente.

Quando eu lia o caderno

Meu pai falava comigo,

Eu temia o perigo

Virava um ser encantado;

Um dia deu uma enchente

No início do inverno

E o precioso caderno

Pela água foi levado.

As folhas então saíram

Descendo naquela enchente,

Do alto eu vi somente

As rimas sendo levadas;

Com elas meu pai se foi,

Nunca mais pude lhe ver,

Nunca mais eu pude ler

Palavras tão encantadas.

Comprei um novo caderno

Para tentar escrever

As palavras de poder

Que o meu pai escrevia.

A tinta toca o papel

Mas a palavra não sai,

Não aprendi com meu pai

Como se faz poesia.

Santana do Mundaú – AL

20 de junho de 2016

Cícero Manoel (Cordelista)
Enviado por Cícero Manoel (Cordelista) em 15/04/2020
Código do texto: T6918173
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