O espelho e as duas faces

Espelho

Com um gesto bem natural

Viu-se diante do espelho...

E, nessa hora, revolveu seus dias

No emaranhado dos cabelos

Cujos fios já lhe diziam a verdade

Sobre o tempo que tão célere corria.

Face a face estiveram a ver assim:

Seu físico - a imagem que o espelho refletia

E o que havia de mais escondido de si mesma...

Então, se surpreendeu estarrecida

Com a moldura do seu rosto quase apagada

Sem graça, aparência envelhecida.

Envelhecida como as fotos em preto e branco

Guardadas como relíquias... amarelecidas

Num álbum de família; assim era sua face...

Em vez de um sorriso jovial, franco e aberto

Viu no rosto, outrora jovem e sem disfarce

Um sorriso trêmulo, triste e incerto.

Mas o espelho não revelava nesse instante

O viço e o frescor que trazia dentro do peito

Fruto de dias envolvidos de ternura e amores...

O que existia dentro de si meio hesitante

Só se refletia no espelho de sua alma

Onde guardava segredos e fantasias multicores.

O que o espelho do seu quarto revelava

Era outra identidade do seu interior

Eram sinais tão visíveis e tão fortes...

Que esse espelho não podia esconder

Era o reflexo exterior da face: outro parecer

Que nada falava do seu mais recôndito ser.

O que não pôde ver nesse passeio

Através da imagem que o espelho refletia

Foi o que de melhor a vida lhe dera:

Condição para viver, sonhar como queria

E a capacidade de ser melhor, amar melhor

E de se preparar para a grande travessia.