Nosso reencontro

No dia em que eu saí de nossa casa pela última vez, eu me vi perdido. Completamente perdido. Nada mais me fazia sentido e eu, antes tão vivo, buscava agora qualquer motivo pra me entender comigo. Qualquer motivo pra continuar. Eu precisei me ressignificar por inteiro.

Não foi uma tarefa simples e só eu sei quantas noites não dormi. Por quê? Por que, meu Deus? O que é que fiz? Onde é que eu errei? Amar é bom, eu sei, mas por que não pra você?

Levei tempo, mas aprendi a ver o brilho que há na noite e dar valor à solidão. O clico da solitude me teve e eu o tive também. Éramos dois em um. E eu construí, na solidão de ser só, a imagem da minha fiel companheira. Diferente de você, a solidão não me abandonou.

No caminho que segui, também ganhei tantas novos detalhes. Eu ganhei marcas nos braços. Cicatrizes de alguns tombos e algumas tatuagens. Ganhei manchas nos pulmões. Do cigarro e dos resquícios da doença que assolou o mundo. Eu tive a alma vendida ao diabo e uma sentença de morte decretada, mas me recusei a cumpri-la.

E hoje, acho até que eu me reergui. Ou mais.

Foi assim que você me viu quando chegou, pois, o dia de nosso estranho reencontro. Os olhares se cruzaram enquanto nós nos desconhecíamos por completo na rua que vem e que vai. É curioso ver como tudo é estranho quando o assunto é você.

Eu te vi e você me viu. Como se numa dança do universo, de todos os lugares do mundo, eu e você precisássemos nos encontrar ali. Você, sempre sorrindo - o que bem descobrimos ser só disfarce - e eu tentando adotar qualquer medida alternativa e paulatina para me trazer a morte de pouco em pouco.

Você me abraçou e eu retribui. Você quis saber de mim, como se tudo fosse muito novo para você. E, de fato, até que um pedaço de mim havia mesmo se renovado. Mas no todo, meu bem? No todo, não. Você quis ouvir de mim um pouco mais, como se não soubesse todos e cada um dos meus segredos mais íntimos. Tanta insegurança. Tanto medo. Tanta imaturidade. Você costuma saber de tudo. Agora, vejo que nós não sabemos de mais nada.

O nosso estranho reencontro sugeriu até mesmo um novo encontro, ao acaso, de duas pessoas desconhecidas, mas nós, que já juramos amor eterno um ao outro, por mais que tentemos fingir, meu bem, jamais gritaremos de novo o título de desconhecidos. Ainda que queiramos; ainda que a ideia de nos fazermos desconhecidos traga ao peito um certo sentimento de esperança.

E nada mais pode mudar isso.

um poeta da noite
Enviado por um poeta da noite em 03/12/2020
Reeditado em 11/02/2021
Código do texto: T7127084
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