À PEDRA SECA
À pedra seca dorme
o bem-te-vi sem um ninho,
entre as torres de concreto,
tendo o homem por vizinho.
E canta à pedra seca
esse mesmo, o dito pássaro,
ao roncar sobre o seu peito
um jumbo de asas de aço.
Não confundir pedra seca
jamais com raso argumento.
É seca de dentro pra fora.
É seca de fora pra dentro.
Muito à pedra seca vive,
o vivente morto em si,
preso a rotinas murchas,
jamais canta, nunca ri.
À pedra seca caminham
o sertanejo e suas cabras,
que juntos, tangendo a sorte,
assustam a perdiz – ave rara.
Quem pedra seca não viu
não pode entender o seu canto.
Quando o martelo lhe bate,
não é som; é o bulício do espanto.
Tanto viver à pedra seca
que mais seco não se vê:
É a própria secura da pena
sem LÍQUIDO para escrever.
NOTA:
A expressão À PEDRA SECA foi adaptada e lançada por mim. Ela tem como base as construções campestres feitas com pedras soltas (sem o uso de argamassa) colocadas umas sobre as outras. No campo literário, significa algo carente de amparo; desnudo; à mercê da sorte; embaraço; dureza; rusticidade; algo que machuca e fere; desequilíbrio.