Benedito

Pedro, Garcia duas vezes chamado,

Cansado de um lado pro outro andava.

Estava inquieto com ar preocupado.

Sua mulher que no quarto tanto gritava,

Chorava e suava em trabalho de parto.

A parteira tranquila a mulher animava,

Quando o grito do choro que o coração alivia...:

Anuncia em Garça um novo Garcia.

Pedro que o semblante tinha sempre fechado,

Pois assim lhe quis o trabalho e o destino,

Se dizia do branco ser preto, era acatado.

Mas ao ver a parteira trazendo um menino,

Abriu um sorriso como que aliviado.

Nos braços recebe o tão pequenino.

Chorando e berrando e envolto em um pano,

O Filho do espanhol ganha um nome italiano.

"Bem falado, nomeado de boa fama e bendito

Também abençoado”, é o que significa

O nome do pequeno Garcia, Benedito.

Bem pensado fora o nome pois que testifica

Do vindouro tempo e inaudito,

Que quanto mais passa mais dignifica,

Que guarda em si sempre a esperança

E também do patriarca que seria a criança.

Com saúde o belo moço assim crescia

No trabalho na força e na labuta

Quando andava pela cidade atraía

Os olhares das moças que o disputa

Os olhos azuis de longe se via

Mas o rapaz que era doutra conduta

Sempre ignorando-as, pois, sabia

Que moça mais nobre Deus lhe daria.

Foi então um dia em que não se sabe,

Quem foi que viu quem primeiro

Do coração Benedito deu a chave

Como quem o entrega a um chaveiro.

A bela dama de rosto manso e grave

Se rende ao garbo do belo cavaleiro

Pensava a moça, como nos contos de cordel:

Quem era o moço de olhos da cor do céu?

E como acontece em toda boa história

Que há quem roube a mulher amada

O moço lhe pede que guarde na memoria

A hora da fuga que já está tramada

O moço não promete nem riqueza nem glória

Mas muito trabalho e uma vida forçada

Foi desse modo que os dois pombinhos

Decidiram fugir ambos de seus ninhos.

Será que imaginava João Francisco,

Ou se passava na mente de Tereza,

Que sua filha corria algum risco?

O que do castelo roubariam a princesa?

Ou que levariam a ovelha do aprisco,

Sem que o pai se pusesse em defesa?

-Fique em paz Tereza pois o tempo é tenro,

E tu não sabes ‘inda quem será o Genro.

No dia e hora que fora combinada,

Não se sabe se era noite ou se era dia,

Ansiosa a moça espera animada

Pela fuga que combinada já estaria

Juntos partem para uma nova empreitada

Que só o destino sabe como tecia

E quando o sol mostrou sua lume aura

Foi assim que Benedito fugiu com Izaura.

E para cumprir de sempre antigo rito,

Do casamento que por Deus é abençoado,

Fora Izaura casar com Benedito.

Mas o peito o moço tinha apertado,

Pois a moça que aceitando o seu pedido

Tinha as vestes de noiva abandonado.

Mas mesmo Izaura casando sem vestido

Teria noiva alguma mais bela existido?

E como o moço não havia mentido

De duras lutas foram mesmo a vida

Dos calos da enxada tinham sentido,

Com a labuta do campo que era servida.

O futuro que nada tinha garantido,

Nas mãos dos dois faziam ferida.

Foi pouco a pouco que Benedito percebeu

A nobre esposa que Deus lhe deu.

E como não há arvore boa que de maus frutos,

Do mesmo modo a Benedito teria

Deus lhe deu seis filhos argutos

Que a vida também esforçados faria.

E assim como manda o Santo estatuto,

A todos criava como devia.

Um dia doente, um deles deu um susto.

Mas tinha uma cura: leite composto bismuto!

Dos filhos Francisco foi o primeiro,

E depois logo veio Aparecida

Laércio vem depois, o terceiro.

Sérgio é o quarto presente vida,

Ademir o caçula por derradeiro.

Mas a vida que por ninguém se intimida,

Mais um presente de Deus lhes traria.

Para trazer alegria, deu-lhes o nome de Maria.

E mais um dia desses, escrito no céu,

Um homem lhe oferece um terreno,

Na terra co' nome do anjo Rafael.

Benedito mesmo pobre, mas sereno

Vê um modo de sair do aluguel.

E num esforço que não é pequeno,

De dia montava caminhões no martelo

E de noite erguia os tijolos do seu castelo.

Aprendeu a usar marreta e prumo,

Então a sua casa construiu primeiro.

Foi desse modo que Benedito o rumo,

Foi transformando-o em pedreiro.

E para fazer quase um resumo,

Dos filhos fez a casa como um engenheiro.

Será que Pedro Garcia Garcia imaginaria,

Que casa para todos netos seu filho faria?

Foi assim bem aos poucos que Benedito

Gentil, ganhava fama na vizinhança,

Seu nome entre todos era bendito

E quando chegando a idade sem tardança

Passaram a chamá-lo de Seu Dito.

Quantas obras que Deus pesa na balança

Mas o que seria de mais valia?

Não é isso que se espera de um Garcia?

Uma história que Seu Dito sempre contava,

Daquelas que nunca cansa de ser ouvida,

Que de noite as vezes encontrava,

Em um tempo que não havia luz provida,

No Afonso treze de longe se mostrava

Uma tocha pelo fogo consumida.

Não se sabe o que era até então

Mula sem cabeça ou assombração?

Outra história que contava, fato curioso,

Do dia que viu de terno branco

Um homem de aspecto misterioso.

O homem manso de semblante brando,

Seguia junto pelo caminho tortuoso,

Algumas palavras foram trocando.

E quando na manhã acorda do outro dia,

Pensa se aquele ser Cristo não podia.

O tempo foi passando e lhes dando sabedoria

Lhe dando bodas de ouro e diamante.

Netos e bisnetos fechar a conta não daria.

Agora as rugas já tem no semblante.

Izaura nunca faltando na nobre companhia,

Que agora na velhice é mais confortante.

Em uma época difícil para o casamento,

Os dois dão mostras de amor, fundamento.

Histórias belas, boas de serem contadas

Em poucos versos como se fariam?

Se não falta o roubo da moça amada,

Também amor e esforço não faltariam.

E como toda boa música que é cantada,

Até tristes dias alegres tornariam,

Como é que muito diferente seria

A história de Benedito Garcia?