PALAVRAS DE UM REI

Fui ao Tororó beber água não achei

Encontrei um quilombola,

Que entre uma e outra história

Dizia ser descendente de um Rei de Angola

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Não havia mais água no Alto do Tororó

Nem na Praia Grande, Ponta Grossa, Ilha de Maré,

Não havia nenhuma tenda com um ritual de Candomblé

Para escapar dos castigos, preciso fugir da senzala,

Tinha que se esconder lá perto do Cafundó

O quilombola espreguiça, cochichando me fala

Bom é sentir um dengo, receber um gostoso cafuné

Desfrutar o prazer de saborear o acarajé

Lá do Alto ver partirem do porto centenas de navios-negreiros

Levando escravizados companheiros de volta para Angola

E grita: “A Praça Castro Alves será do povo, de novo”

Negro não é raça, com estirpe e procedência

Sofrimento é sem graça, preciso muita paciência

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Fui ao Tororó beber água não achei

Encontrei um quilombola,

Que entre uma e outra história

Dizia ser descendente de um Rei de Angola

Mulatas passeando com seus moleques

Desciam, sem pressa, a avenida Liberdade

Trios-elétricos alegres tocam sambas-de-breque

Ele sussurra, devolvendo-me a realidade

Fala de Gangazumba, Zumbi e Dandara

Tereza de Benguela, essa guerreira rara

Gritos das batalhas espalhavam-se nos ares

Histórias de lutas, muito além de Palmares

Aliviavam a fome com azeite de Dendê

Pernas sobem ladeiras rumo ao Senhor do Bonfim

Das bocas saem ladainhas que parecem sem fim

No coração carregam a força de seu orixá

À benção! Fez-me simpatia, oração e canjerê

Axé Iansã, Axé Santa Bárbara, Axé Iemanjá

Negros não eram escravos, tinha filiação e descendência

Milhares de bravos guerreiros em busca da sobrevivência

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Fui ao Tororó beber água não achei

Encontrei um quilombola,

Que entre uma e outra história

Dizia ser descendente de um Rei de Angola

Indago como afasta o banzo e sua tristeza

Responde-me com certo ar de surpresa

Preparo o feijão, junto o fubá, faço um bom angu

Cuíca e berimbau cura se estiver de calundu

Quando os batuques anunciam a capoeira

Pode chover à cântaros, jogo a noite inteira,

Que muvuca maluca! Quem está lá na praça?

O Dragão do Mar ou será Patrocínio, será o Luís Gama

Maria Firmina ou uma não identificada mucama

Pega meu cachimbo, e oferece-me sua cachaça

Reflito um instante ao ver aquele afrodescendente

Sofre igual todo mundo, só sua pele é diferente

Negro não eram raça, estirpe ou procedência

Sofrimento é sem graça, preciso muita paciência

Não nasceram escravos, tem filiação e descendência

Milhares de bravos guerreiros em busca da sobrevivência

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Fui ao Tororó beber água não achei

Encontrei um quilombola,

Que entre uma e outra história

Dizia ser descendente de um Rei de Angola

Pedro Galuchi
Enviado por Pedro Galuchi em 01/09/2021
Código do texto: T7333284
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