razão do engano

de cima o turbilhão

sem corda, o ruivo

de um cachorro louco,

descer, já desci e a

lembrança de suas corredeiras

de arame e medo não te

deixa partir, desde

então apenas espero

a hora sagrada, digo,

melhor, não digo, a

linguagem também

tem seu pranto, sua

hora noturno, seu

suborno estragado,

estranha ciranda

de miragens, porque

me abandonaste, poderia

dizer, mas o fogo já

foi posto, e suas labaredas

já tomaram o campo de trigo,

minha carne é toda do fogo

meus dentes, minhas mãos

meu umbigo são carvões

do amanhã, hoje, apenas

escrevo com as mãos tremulas,

poderia dizer que seja apenas

um vazio e não um vulcão sem

dono, sem lastro, uma implosão,

e não esperada explosão de

flores e diamantes,

corro pela casa, que casa, corro pelo

quintal, que quintal, não

sei correr quando até as

pernas me golpeiam o ventre,

dizem que coração não terra

que se passeia, teria eu

eu desses, que bomba a vida

a vida toda? ou apenas espero

a hora do trem numa madrugada,

onde apenas eu e meus degredos

estão na plataforma? aliás

quem é esse que observa,

será também o observado?

vivo, profundo, dolorido,

sou tantos, ou apenas

um que num caleidoscópio

de tantas faces quanto

essa gente, que milhares

não sei o nome, se tem um

fizil guardado, se ama,

ou apenas simula uma vida

gentil. quem observa de cima

essa revolta contida, esse

grito abafado, esse horror

que no peito espraia, sem

receita, vago na teia do

nada, talvez eu seja mesmo

esse nada, e não o encanto

que procuro, e esse nada

seja nada, por onde

comecei as primeiras braçadas

digo não digo, um grande

engano mostra sua cara.

Ariano Monteiro
Enviado por Ariano Monteiro em 27/09/2021
Reeditado em 27/09/2021
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