Da Utilidade das Ciências

Dos feitos todos da humanidade grande,

Os de descobrir do universo os pensamentos,

No futuro longo para a humanidade

E curto talvez para o universo,

Não restará mesmo uma tênue ruína.

Ou achais que o universo esculpirá

No rosto risonho d’um planeta antigo o busto de um homem típico,

Em memória da humanidade orgulhosa

Que lhe desvelou o pensamento?

Triunfaria mesmo tal monumento sobre a constituição das coisas?

É útil para o universo um homem desvelar-lhe

O pensamento?

Acaso o universo não existe sem que lhe desvelem

O pensamento?

O erguer-se a casa é o arruinar-se a casa,

É o derrubar-se a casa pelo mesmo motivo que

Ergueu-se a casa, e depende da extremidade

Do universo pela qual se olha a casa.

Descobrir o movimento das estrelas

Ou o elétron ser onda e partícula,

Quando já existem elétrons que são ondas e partículas

E o movimento assim, finito, das estrelas não parece útil ao cosmo.

Será um plano do universo que a humanidade orgulhosa

De outra maneira configure os movimentos e a estrutura dos átomos e,

Logo, o movimento das estrelas?

Faze-lo seria não ser mais o universo universo, e a humanidade, humanidade.

Faze-lo é o universo ter como princípio não ser o universo,

Com todo o absurdo de tal pensamento.

Dissessem-me que minha roupa é branca, meu cabelo grisalho

E minha pele sensível não me parece muito útil,

Quando existo com branca roupa, cabelo grisalho e pele sensível

Sem que seja necessário que isto mo digam.

E se em outra parte do cosmo outro ser que não é um homem

Chegou à mesma conclusão que os homens acerca do movimento das estrelas

E da constituição do elétron,

Esse ser que não é homem,

Que é feito de outra parte qualquer do universo,

Esse ser, quando morrer o universo, se é que de fato morrem os universos como se compreende o morrer-se das coisas,

Acaso sobreviverá ele ao universo?

E por quem será seu feito lembrado, o de descobrir o movimento das estrelas e dos elétrons,

Quando não existir mais a parte do universo da que foi feito,

Com seus átomos e elétrons próprios,

Quando não existirem mais estrelas para que delas se descubra os movimentos,

Quando não existirem sequer movimentos?

De que utilidade derradeira será o descobrir-se como funcionam as coisas

Quando eu, que escrevo estas linhas, nem mesmo deixo, ao final,

O testemunho de que tudo passa e se dissolve,

Justamente porque tudo passa e se dissolve?