E eu, não sou uma pessoa?
Eu que mato e que morro
Que desço rolando ladeiras e pago penitência no morro
Quase me mato de tanto trabalhar e nunca peço socorro
Não sou seu e nem o seu outro
Evito o reto caminho e caminho no torto
Pisando em lascas de vida, riscando facas, soltando faisca
Uma estrela que vaga no panteão das desgraças
E eu, não sou uma pessoa?
Eu que me faço de tonto, me faço de morto
Me refaço do dia frio embaixo de um banho morno
Fatio o pão e me embriago de mosto
Escondo o rosto com uma mão e a outra deixo ao “seu” gosto
Conto-“lhe” as maledicências, meio a contra-gosto
Escrevo sempre com reticências...é este meu moto
Sou assim desde garoto
E eu, não sou uma pessoa?
Eu que afronto e que me escondo
Que ergo casas dos escombros
Vejam, que assombro, que bela casa de adobe
Face para norte, acabamento em pedras de fino corte
Mas corra, pois há de desabar
E eu, não sou uma pessoa?
Nascido do mesmo modo que todos os outros
Iguais e ainda outros
Que cavo um poço no peito e encontro um leito seco
Sou eu um buraco, oco?
E agora a casa desmoronou, o peito cicatrizou-se em pedra e me pesa ao respirar
E eu, não sou uma pessoa?