Primavera

Eu sou aquele que perdeu o apetite à mesa.

Aquele a quem não mais interessa o beijo dourado das rugas da tâmara seca,

Ou os dedos verdes das oliveiras maduras.

Sou aquele a quem a matéria macia do damasco fresco enoja,

Aquele que dispensa a amizade dos glutões inveterados,

E que não mais ri das pilhérias sobre gansos tristes e bois antigos.

Sou aquele que perdeu a graça dos dias em algum dos dias passados,

Que ousou fartar-se do vento perdido, que dobra a árvore no fim do deserto.

Sou aquele que rompeu o caule, esperançoso que vivesse a coroa rubra da rosa

Sem o garfo e a colher do caule.

Eu, o murcho de passado glorioso, que cuspiu nas cabeças dos homens do cimo de uma montanha,

A julgar-se livre da terra, e que agora é escarnecido pelos homens;

O estragado pelas crinas longas do tempo que habita a casa com as portas sempre abertas para o tempo;

O abandonado no claustro que é os restos do que se ama no mundo.

Sou aquele sentado na poltrona puída, e a quem não importa a poltrona ser ou não puída.

Sou aquele cujo coração indolente vacila na noite morna e

Cujo pulmão miserável hesita na borda da caixa aberta da primavera.

Eu sou aquele que perdeu o apetite à mesa.

Sou aquele que morreu, pouco a pouco,

Nu e sozinho.