O Velho e o Circo

Instalou-se um circo

Na minha cidade!

Quão bem me recordo

Do dia em que me incrustei

Nas lonas pela primeira vez,

Há anos e anos atrás.

O trapézio, um turíbulo.

Exalava um trapezista, feito de mirras,

Anis e almíscar,

Que pairava, perfume,

Nos mágicos ares circenses.

No circo onírico

Convertiam-se feras em fábulas,

Leões e elefantes havia,

E eu criança!

Havia espadas, doces rosados para aquele que as engolia,

E fogo, como as orações que Deus faz à noite,

Quando sozinho.

Havia danças e música,

Bailarinas formosas

Como bibelôs animados

Por fadas.

Bailavam sobre notas

De harpas loucas

De arcanjos celestes,

Nos mágicos ares circenses.

Ah, os palhaços!

As brincadeiras e os jogos!

O riso se estendia como um arco-íris envernizado,

Cruzando os espaços dos mágicos ares circenses.

De júbilo temperados,

Com sementes jogralesas guarnecidos,

Eram os confeitos distribuídos nos mágicos ares

Circenses.

E assim, com essa alegria de quando usava meias pequenas e coloridas

Adentrei o circo

Que havia se instalado na minha cidade,

Anos e anos depois do dia em que ali estive pela primeira vez.

Que surpresa rasgou meu coração enegrecido pela velhice,

Naquele dia!

Desabou, ainda nos preâmbulos do espetáculo,

O trapezista (que agora era de enxofre denso, certifiquei-me pelo fedor)

Sobre um abutre que almoçava o leão enfermo

Atirado no centro da arena.

O domador cego estalava chicotes ameaçando as espadas

Que o engolidor esquecera na jaula,

Ocupado que estava com as bailarinas.

Os palhaços trabalhavam

Em despejar sonífero

Sobre uma gororoba de aspecto medonho, num dos cantos da arena.

A música, o silêncio que o mestre de cerimônias

Ordenava àqueles ainda despertos.

Fui-me embora, triste,

E a ninguém falei palavra sobre o ocorrido.

Só hoje escrevo,

Depois de dois anos de vida ébria

E memória desacreditada,

Porque encontrei na rua o elefante,

Que naquele dia escapuliu pelos fundos,

Silenciosamente:

Contou-me o trombudo amigo

Que não mais esqueceu,

No dia do espetáculo,

Uma raposa que passeava no camarim

Do circo que nunca existiu.