Na Fraternidade Pastoral das Armas

Filho de pedra e sal, neste lugar te abraço e te saúdo

Irmão de aço, carvão, lágrima e cal.

Venho de cruzar distância,

Sigo destino cristão, judaico, pagão

Aqui te enlaço e logo, te abandono.

Segue teu destino de fogo e sangue.

Encontro-te mais adiante

Onde não há inocência possível

E já não te reconheço,

Lançarei contra ti os soldados e os cães

Ferirei tua carne com ferro e indiferença

E tu mesmo serás um cão.

Eu serei tua vítima e teu algoz

Na incompreensão mútua do nosso medo e ódio.

Não tenha lugar em mim a compaixão

Seja eu surdo a lógica, razão e sentimento

E que meus argumentos, como tenazes, me sufoquem,

Destruindo espaço, infância, vida.

De tudo isso ergue-se uma civilização:

Desperdício planejado, cotações, livre mercado controlado,

Olho eletrônico, liberdade vigiada,

livre escolha no cardápio pronto,

Navios negreiros, Gente gasta, viga e construção;

Guerra globalizada, comércio, diplomatas,

Destruição em massa, patentes, marcas,

Fundamentalismo de tevê, ostentação.

E tudo se resolve.

Mercadores de drogas e armas, entretenimento e repouso,

Contemplam o mar na paz das avenidas

debruçadas à beira-mar

Distantes de morro, fome, morte, perdão.

Mercadores de ações e inação,

Caos exportado, favelas, alamedas

Onde passeio assoviando uma canção.

Filho de vida curta e breve,

Beija o teu fuzil,

Embala o teu morteiro,

Explode em contramão,

Seja esse teu descanso, teu descaso, teu destino,

Não fazes sentido, não tens sentido, não tens sentidos,

Não tens propósito nem destinação.

Quando não houver tu mesmo,

Serás puro como não foste em infante,

nós te amaremos como nunca antes,

tua estreita tarja atada aos olhos.

Comporás um soneto no gesto interrompido

Do teu corpo liquefeito no ar sangüíneo da explosão.

Dormirás com o braço em ângulo sob a fronte,

E a luz já não te cegará os olhos sãos.

Sonharás enfim teu sono de menino.

"Dorme, pequenino, dorme."

Recife, 03 de maio de 2007.