SESC

1985

não me lembro muito bem de onde vinham as luzes

se dos holofotes suspensos no ar por cabos de aço

ou dos olhos apaixonados de quem queria me dar um abraço

e se ungir no meu suor

havia tábuas soltas

e cabeças de prego afiadas que me impediram de dançar descalço

mas aquele palco foi altar de uma missa de sétimo-dia com corpo presente e vivo

eu era o sacerdote pagão sensualizado quase nu da cor da terra e linguajar nativo

mitificado pela penumbra

coro no refrão

sopranos dissonantes e áridos barítonos unidos dividiam o corpo da música

que eu entregava quase como um filho que não se quer dar mesmo sabendo que não é seu

flores lançadas e de repente o apagão que me calou e pôs fim ao meu efêmero apogeu

em fila os sopranos e os barítonos se dirigiram às saídas de emergência

enrolei-me na cortina

ferido mortalmente pelo acaso que ousou desafiar minha insistência em ser belo

a metade do rito sendo comentada pelas calçadas logo se diluía em risadas e cerveja

sem entender o despudor dos fatos permaneci no escuro assustado como uma narceja

na linha de tiro