Caldeirão genético

Cada molécula de nosso corpo possui ancestralidade

A soma das batalhas dos povos, conquistas e dores

Gente que nos gerou, sem reconhecimento ou favores

Que se embrenhou nas densas florestas na adversidade

Em todas as intempéries restava-lhes uma certeza:

Não permitir que grilhões e chibatas os paralisassem

Que preconceitos mundanos sua gana de viver roubassem

Sua cultura e arte vinham da natureza, sua maior riqueza

Viemos desses humanos divididos por meridianos

Somos coloridos, pintados e misturados em aquarela

A ponto de ser impossível distinguir que etnia é aquela

Aquela soma de cânticos santos, indígenas e bantos

Não existe o menos importante ou o mais nobre

E assim poderíamos viver em comunhão sem exploração

Se o que difere é a cor e a crença em idêntico coração

Por que tanto se pesquisa e tão pouco se descobre?

Pena que há preconceitos espalhados e empalhados

Que desdenham da evidência que existe uma teia

Que tudo perpassa e todas as artérias e veias permeia

Gotejando o sangue vívido herdado dos antepassados

Ainda haverá uma única comunidade no mundo

Em que o respeito reine com as devidas peculiaridades

E que as posses não ensejem tanta ganância e vaidade

Das vozes que ecoam na tela mental somos oriundos

De todo modo somos eternamente dependentes

De complemento, de auxílio, porque não nos bastamos

Ninguém sobrevive sozinho nesta vida que é oceano

Ela é sucessão de aclives e declives inclementes

Na hora da queda muitos refletem e mudam de opinião

Enxergando que a mesma moeda possui duas faces

Que na hora da aflição caem as máscaras e disfarces

Que o que antes era visto como problema, é solução

No dado momento em que se juntarem tambores e harpas

Para afugentar os apuros que corroem o irmão arrependido

E não mais importará quem foi o ofensor ou ofendido

Tudo será vencido, unindo múltiplos poderes em etapas

A faísca que doa brilho aos nossos olhos vem de longe

E nossa similitude física é o reflexo da miscigenação

A fortaleza herdada dessa gente impacta cada decisão

Já que nosso corpo e alma mergulharam em sua fonte

Por onde quer que andemos pensando estar solitários

Uma nuvem de ancestrais nos orienta a cada curva

Indicando o melhor caminho até quando nossa visão turva

Defendamos, pois, quem nos forjou, povos extraordinários.