MEU AMIGO DE PAPEL

Aí estás, amigo, junto a teus pares,

aguardando que eu te escolha

para me livrares da angústia

que o viver acumula em mim!

Ao te ver assim, fechado, viajo por tuas formas:

Envelhecido, amarelado, maltratado,

teu corpo mostra ainda tua origem vegetal.

Posso ver-te, eucalipto, na floresta

vergado aos silvos dos ventos nas ramagens...

Posso ver-te cortado, pequenina tora,

recozida pasta celulósica, alvejada agora,

e tornada folhas imaculadas...

Posso ver-te no momento maior

em que te imprimem palavras,

idéias-maravilhas a sustentar tempos afora...

Posso ver cortarem-te em pedaços,

e te coserem, e te encaparem,

e te dotarem de orelhas e lombada...

Vejo-te pronto, enfim, na estante onde te exibes

a me desafiar como uma esfinge.

Hoje, amigo, não cantarei tua alma-conteúdo.

Louvarei, sim, o teu corpo-continente,

porque sei que, na voragem da modernidade

serás em breve um frio objeto virtual,

cibernético bombardeio de elétrons

no vácuo de um tubo de vidro e metal...

E, neste dia, amigo, vou sentir falta de teu cheiro,

da tessitura branda de tuas páginas,

das manchas amarelas do tempo em teu regaço,

e de soprar carinho ao pó de tua capa

Terei aprendido, então, o quanto dói uma saudade,

MEU QUERIDO, MEU AMIGO, MEU VELHO LIVRO DE PAPEL !!!!

Renato Alves
Enviado por Renato Alves em 23/12/2007
Código do texto: T789642