MEU AMIGO DE PAPEL
Aí estás, amigo, junto a teus pares,
aguardando que eu te escolha
para me livrares da angústia
que o viver acumula em mim!
Ao te ver assim, fechado, viajo por tuas formas:
Envelhecido, amarelado, maltratado,
teu corpo mostra ainda tua origem vegetal.
Posso ver-te, eucalipto, na floresta
vergado aos silvos dos ventos nas ramagens...
Posso ver-te cortado, pequenina tora,
recozida pasta celulósica, alvejada agora,
e tornada folhas imaculadas...
Posso ver-te no momento maior
em que te imprimem palavras,
idéias-maravilhas a sustentar tempos afora...
Posso ver cortarem-te em pedaços,
e te coserem, e te encaparem,
e te dotarem de orelhas e lombada...
Vejo-te pronto, enfim, na estante onde te exibes
a me desafiar como uma esfinge.
Hoje, amigo, não cantarei tua alma-conteúdo.
Louvarei, sim, o teu corpo-continente,
porque sei que, na voragem da modernidade
serás em breve um frio objeto virtual,
cibernético bombardeio de elétrons
no vácuo de um tubo de vidro e metal...
E, neste dia, amigo, vou sentir falta de teu cheiro,
da tessitura branda de tuas páginas,
das manchas amarelas do tempo em teu regaço,
e de soprar carinho ao pó de tua capa
Terei aprendido, então, o quanto dói uma saudade,
MEU QUERIDO, MEU AMIGO, MEU VELHO LIVRO DE PAPEL !!!!