Eu não nasci para esse mundo

Por isso, na deriva eu continuo

Bem no meio do mar

De suas águas sujas

De suas ondas altas e turvas

De sua inútil loucura

De sua constante estupidez

De sua dominante crueldade

Agarrado nas saias de quem eu amo mais

Como um menino acuado que esqueceu de crescer

Que nunca aprendeu a bater asas e voar

Como um anjo caído

Que só fazem peso ao corpo

Sempre frágil

Aos desejos

Sempre fartos

Batendo os pés para não afundar

Sem os artifícios de uma vida adaptada

Cronicamente desalinhado

Sem saber o que é a rotina de um trabalhador

Mas sabendo por eles que não é fácil

Que é injusta

Ainda mais sem o privilégio de uma ilusão

Em que a reta não encurva

Sem filtrar o mundo

Sorvendo o seu sabor salgado

Submetido ao seu humor amargo, calor ou frio

Raso e profundo

Vivendo diretamente

Mas eu sobrevivo

Porque me acostumei com as nuvens brancas

Com o prazer de um carinho

Com a fome e com a sede

E a saciedade de um ciclo

Com a esperança sempre ardente

Com esse vício tão difícil

Como se sempre renascesse

Como se não fosse impossível