Mar

Por caminhos conhecidos meus pés andam

Sabem bem de cada espinho e se ferem

Noutros tempos de velados sonhos

Em cama de faquir dor e medo descansam

Onde tu andas com desdém que de mim esquece?

O coração que se desfaz em toda adversidade,

E esse desejo honesto de ter a morte mais perto,

Nesse sincero clamor que tu não conheces

Encontra doce prazer que quando a noite desce

Ao fechar os olhos ante o dia que amanhece

Os sonhos me traziam, quando em liberdade

Desejos e fantasias que meu coração enchiam

Eu e tu dançávamos num chão de jade

Sob os raios de cristal que a luz da lua tece

Hoje somente a dor é minha mestre

Não sou mais dona de mim

E doente está meu pobre coração

Minha mente se mistura em meio a confusão

Sou escrava de mil males e emoções incompreendidas

E por assim ser

Nem de nada, nem de quem desejo ver

Espero por mais nada

E da posteridade não busco qualquer favor,

Nem tampouco me anima sonhos de amor,

Tudo me é agora estranho

E tudo de mim vai se afastando

Meu corpo já não reconheço

Um monte de ossos descarnados

Um esqueleto em um quarto abandonado

Se antes esperei por ti

Hoje da morte aguardo o chamado

Ao me olhar, de medo estremeço

Perdi tudo pelo que tinha apreço

Ninguém pode me curar, meu ser foi abandonado

E se me resta forças

Despedir-me desejo, enquanto alguém me ouça

Tenho o olhar turvado

Já não me há regresso

O amor me fez tudo acabado

Levarei comigo o olhar triste molhado

Enquanto em delírio fúnebre

Sinto estar no meu leito a consolar-me

Com doces beijos em minha face

O algoz de minha morte

E se por ventura

Por razão de leve candura

Seu olhos na minha morte

Se fizerem mares enfurecidos

Peço que não chores

Já não me vale e nem faz sentido

Saiba que esse momento eu quis

A sonhar com ele me fiz

E embarco alegremente

Alço minha vela airosa

Me afasto da terra

Me ofereço ao mar

E entre o azul e o verde

Sem os misturar

Ganho o alto mar

Ondas que o barco quase tomam

Tempestade a me arrastar

Tormenta infinita nesse mar

Estado de minha alma amorosa

Em meio ao bravio mar

Entre ondas a bater

Chicotear

Com o barco a quase virar

Surge uma névoa assombrosa

Escurecendo o céu que os raios vêm riscar

Tempestade dolorosa

Trovoadas rugem e se alastram pelo ar

É assombrosa

E a morte sabe nadar

Tudo me faz receosa

A morte

A dor

O mar

O horror do oceano enraivecido

Despedaçado o mastro, o leme destruído,

O que vem de tudo isso

Causa imenso arrepio

O barco soçobrando em tétrico presságio.

Vai afundando

Meu corpo levando

E nem tento me salvar

É a morte entre as águas salgadas,

Ondas se erguem sem cessar, repelidas, tragadas

Morrerá comigo

Tudo que por ti sinto

A dor de tudo isso

Nem consigo chorar

E nesse momento entendo

De verdade compreendo

Meu amor é um horrível naufrágio

Sem restos na areia

Tudo afunda nesse triste mar

Mar e amor

No fim fazem perfeita mistura

E nem podem se misturar

Sabores amargos

Possuem o amor e o mar

E em ambos se pode naufragar

Em ambos rugem tempestades

São os dois feitos de ondas

E não se pode neles nadar

Mentem os poetas

Ao os separar

Metem quando dizem

Que a dor não está no amar

Mar

Dor

Amor

Águas salgadas

Não há como os separar

E mesmo tendo caminhado por terras

É no mar o meu lugar

Pois meu peito queima em forte fogo

Tudo é doloroso

E o mar de minhas lágrimas

Talvez possa apagar

Ao se juntar as águas

Desse intempestivo mar

Perdoi-me por cada palavra

É que não consigo suportar

Mar

Dor

Amor

Facas a me matar

Gabriela S V
Enviado por Gabriela S V em 17/05/2024
Código do texto: T8065499
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