mais amorosa

Nesta hora, a rua sob o crepúsculo já realizado,

Subverte o tempo, embora nada disso seja

A essência, que, destilada do medo, revela seu rosto —

Outra face, não face, mas queda revisitada.

Distinta e extensamente, sou a água que desce

Incansável para outra fenda, janela imprópria

Na pele da montanha, alforje aliviado, e seus passos

Já engomados para um presente para sempre

Inscrito em meu coração, lonjura que nunca

Se contempla, somente sua silhueta a adornar

Cada momento de espera, e tu já dizes, essa estrada

É feroz, bicho escarlate a gritar por uma fruta, ainda

Que verde à espera do sol, porta sempre aberta

E nos mostrar as formas mais secretas, inclusive

Essas que formam teu corpo, exata como os pássaros

E subir para o céu, ou vapor que regenera a florada

Da estação mais clara, e tu deitas, olhas para o céu,

É teu, segue o teu trilho até onde será apenas uma

Flor que se afunda na terra ou a cinza depois de

Uma queimada, chuva escura nunca

Menos que, servo do fogo, tombam os pensamentos

Envelhecidos e nos prepara para saber das novas folhas

Onde a memória possa descansar e digerir a si mesmo

Em um grande espelho que reflete outra esfera da vida,

Convexa, extrema, alta, montanhas revestidas da vontade

Mais sólida e tuas asas partem para o desejo mais amplo

De corpos recuperados pela chuva estival e pela esperança

Que o céu, dela nos lembra ao contemplar como uma

Pedra transfigura-se em um assalto ao sagrado, tempo

Virgem, imemorial, acumula em si mesmo, e grita onde

A carne voluptuosa já fez seu grito, a língua, os lábios

Encarnados e sorver a dor das coisas e a nos dizer

Silabicamente como é belo uma mulher a esperar por

Um homem, ou o homem a esperar pela mulher que lhe

Inscreve o secreto mais amoroso.

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Ouves! Não pode ouvir o que os males espantam

Árvore inscrita na memória enquanto em tua sombra

A silhueta de tua morada nos inflama o desejo, plantações efêmeras

Já destiladas de seu cadafalso, para o amanhã, onde, serena, a vontade

Se esforça para que seja o prado alucinante que nasce em todas as madrugadas,

Ainda que brilhante, não era o presente, já era passado quando

Seu andar escandaloso me calou para a lua de sangue e azeite que nos

Conduzia para dentro da carne, intemporal, externamente, silenciosa

E fazia das minhas sombras o artefato onde, estilhaçado, procurava o meu nome.

Sob as sementes estocadas a dor se empurra para o alto, impulso para que o sol nasça

Ainda que em violência, ainda que a ferida se reprima, ainda que reste pouca,

Daquela velha face estiolada drena profundamente da sua esperança.

Sempre fui breve, uma ilhota que se inunda frequentemente das águas profundas,

Não se pode defender daquilo que sua natureza é nos escapar, se fosse água, seria

Óleo, se fosse óleo, água a perder de vista a me dizer que não tem direção já inscrita,

Toda partida é cheia de novidade, e toda estrada se desarma de si depois de caminhada,

Os campos inaugurados, as vertentes aquosas e a relva estendida a forrar a angústia mais

Carnívora enquanto pomares resolutos, com suas frutas de pecado a nos amar:

Que a boca não saiba desse enigma, pois tua língua bebe o sangue da terra

Para saber mais do gosto das coisas insensatas, embora foi a insensatez que embriagou

Dessa falta de solidez, desse mel cujo gosto já pressente o

Lago de pústula, a aridez escura ascenderá no sepulcro do ventre,

Onde os amados gritam uma dor que é deles, mas também das pedras, dos astros

em delírios encarnados na imensidão que engana e massacra toda ingenuidade alimentada,

E cada palavra devora a carne para ser ela mesma, condutora da boa nova,

mas, também, a coisa que nos forma.

Andrade de Campos