Vestígios de uma alma aflita

Entro no quarto.

Ouço uma voz que ecoa do canto da parede cinza.

Essa voz vem do rádio que toca desde a primavera a mesma música que erra nessa esfera.

Na janela, as negras cortinas cobertas por fuligem e poeira que vêm de fora, de uma paisagem a parte.

Não deixam entrar a luz do dia, luz do verão, que amargou então em seus negros mantos.

Avisto um colchão velho,

Quem sabe um alento...

Não!

Tomado pelas traças que o consumia,

Somava-se ao frio cenário que ali se percebia.

A mesma música que toca no rádio desde a primavera,

Já não erra mais nessa esfera,

Pois começa a afligir minh'alma sincera.

Ouço uma voz

Mas não é a voz da música que ecoa do canto da parede cinza.

É a voz de um cativo em pranto.

Pranto não dissipado.

Um cativo morto, sepultado.

Sepultado para sempre nesse quarto,

Condenado a ouvir a mesma música errante

Que porém já não erra mais.

Kétilen Paes
Enviado por Kétilen Paes em 18/12/2005
Reeditado em 06/07/2010
Código do texto: T87467
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