João
E agora, João?
O dia já raiou,
o pó para o café acabou,
a manteiga acabou,
e agora, João?
E agora, sua fome?
Você que está sem uniforme,
porque não tem emprego,
sente fome, protesta?
e agora, João?
Está sozinho no mundo,
acham que é vagabundo,
está sempre calado,
já não pode comer,
já não pode trabalhar,
jogar já não pode,
O dia está acabando,
a noite está chegando,
Você ainda não comeu,
e a tristeza apareceu,
Não veio a fantasia
e tudo sumiu
e nada surgiu
e tudo acabou,
e agora João?
E agora João?
Sua doce voz,
seu instante de dor,
Sua fome, sua satisfação,
Sua sabedoria,
seu tesouro,
seu labirinto,
sua inocência,
sua arrogância - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir o cadeado,
Não existe cadeado;
quer morrer no lago,
mas o lago secou;
quer ir pra São Paulo,
São Paulo não há mais.
João, e agora?
Se você falasse,
Se você descansasse,
Se você desmaiasse,
Se você casasse,
Se você morresse,
Se você pensasse,
Se você comesse...
Mas você não pode,
Você é pobre, João!
Sozinho no mundo
como um largado,
Sem um teto,
Sem barranco
para apoiar-se
Sem cavalo branco
que fuja a galope.
Você caminha, João!
João, mas para onde?
(1997)
Paródia do texto "José" de Carlos Drummond de Andrade...