A CANÇÃO DO RIO
Descamba o rio em seu delírio
Depois de inventar nascentes e minadouros
Demarcar seu curso
Lamber praias e barrancas
Adentrar suas ilhas
Suas ilhotas rodeadas de silêncio e pedras
Descamba o rio em seu delírio
Em sua desvairada sonata de correntes correntezas corredeiras
Sua canção de peixes
Suas lavadeiras
Sua Iara de cabelos pretos de índia xacriabá
Seu caboclo d`àgua sentado na pedra do segredo
Seu delírio sua febre seu desvario
Descamba o rio
Em vilas cidades em terras jequitinhonhas
Descendo a pedra redonda do Sêrro do Frio
Para banhar o vale encantado da infância perdida
Em terras de Araçuaí
Em terras almenaras
Em veredas de Itinga Salto Grande Pedra Verde Guarani
Para despencar em terras baixas onde é chamado rio de areia
O rio agora é rio de areia
E persegue o mar
Sonha o sal do oceano
Para desmanchar-se em lume
Agora o rio entra sem licença sem peia
Ancho de àgua e barro
Enchente
É o teu nome
Que derruba casas
Devora terras
Doura a sede
Despista a fome
O rio agora é fúria
O rio agora é raiva
Insano mênstruo de sangue e lama
O rio agora é mar
E banha jacintos de chuva
Itiras retirantes
Diamantinas de luares sobre o espelho d`àgua do rio
O rio agora é mar
E acaba de invadir Itapebi
Muita gente perdendo as casas
Perdendo vidas
Perdendo a alma
Só a lama negra e as cobras perduram neste sertão de sol ardente
Um rio é feito de outros rios
Para entregar-se a um só mar
O mar de Netuno e Janaína
O mar de Colombo e Vespúcio
Descamba
O rio em seu delírio sua febre seu desvario
Cláudio Bento