Os Libretistas.

Os libretistas

Para o Luiz Carlos Araújo, irmão, que me iniciou no extraordinário mundo do bel canto.

O que seria de um Verdi sem o

Piave,

o Donizetti sem o

Cammarano,

o Puccini sem o

o Giacosa e o Illica,

o Bellini sem o

Romani,

o nosso Carlos Gomes sem o

Scalvini e o D’Ormeville.

Ah, se não tivessem existido os poetas

libretistas, o que teria sido do bel canto?

Seus nomes, sempre em tipos menores,

abaixo do compositor, o músico sempre lembrado,

escritos com letras garrafais,

festejado como gênios.

Deste grupo só se salva o Leoncavallo,

que bastava a si mesmo,

mestre que era nas duas posições,

gênio de uma obra só.

Os libretistas, coitados,

fizeram os lindos versos,

poesias,

que foram cantadas

com as musicas dos conhecidos autores.

Sem os versos, no entanto,

evocando estórias antigas,

não haveria a beleza distinta,

impar, que é a opera

- uma unidade sonora de emoção.

Ali se cantam poesias representando um enredo,

acompanhadas de musicas orquestrais,

se dança - o vestuário, o cenário, também são espetáculos à parte,

um teatro integral.

Não o teríamos igual

sem esses versos tão belos e tocantes,

se não fosse o sentimento dos libretistas,

que com a beleza suficiente, contida,

nem mais nem menos palavras,

a própria medida do belo,

nos dizendo o que precisamos saber

de um amor, de uma tragédia, de um sofrimento, de uma esperança...

Sem eles não sentiríamos a mão gélida de Mimi

e toda a ternura daquela que morava,

vizinha do escritor pobre,

num quartinho branco, cuidando de um vaso de rosa

que desabrochava

linda, pura, solitária,

quando vinha o sol da primavera.

Não perceberíamos a determinação angustiada da sacerdotisa

Norma, casta diva,

- sua missão, sua pátria, seu pai e então

seu amor impossível...

São assim os libretistas, poetas,

suas obras são lidas e citadas em momentos corretos,

são cantadas com belas vozes,

mas eles são esquecidos.

Falam para quem vive o presente inspirando-se no passado,

com todas as esperanças e os sonhos, depurados pelo tempo,

mas sempre imortais,

- Oh que saudades...

Não é como hoje que basta

abrir uma revista ou ligar a televisão

e está tudo lá, pronto e bem servido,

não sendo preciso pensar ou ter sentimentos para entender.

Hoje já nos dizem, o momento certo e a intensidade,

quando é prá rir e prá chorar,

a quem devemos querer, a quem devemos odiar.

Que bom o mundo moderno

- já pensa e já sente por nós...

nos liberando para o tédio, a solidão e o desespero...

Restam as operas, coisa de velhos,

ainda a dizer o importante, o permanente, nos seus poemas cantados,

testemunhando o essencial,

o que não pode, não deve, ser esquecido pela a humanidade,

- o amor fiel, definitivo,

- o sofrimento cósmico de uma perda querida,

- a esperança mantida com a certeza selada numa palavra dada, tantas esperanças...

- a honra, as lealdades, valores de antanho

que resultavam em gloriosas mortes,

- a alegria, a felicidade suprema de um encontro, reencontro,

- tudo aquilo que ninguém sabe mais o que e como é,

e muitos poucos querem saber.

Como era bonito

como era humano e bom...

Ninguém mais se emociona com a despedida do mundo,

momento que um dia, de alguma maneira, todos enfrentaremos como

o general egípcio e o seu amor, a escrava etíope,

que no instante mesmo em que a tumba se fecha sobre os dois,

unindo, na execução cruel da injusta sentença,

os destinos daquele amor impossível,

num canto da suprema certeza eterna

“O terra, addio, addio o Valle di pianti

Sogno di gáudio che in dolor svanì.

A noi si schiude il ciel e l’alme erranti

Volano al raggio dell’eterno dì”.

(Publicado na Antologia Literária nº 2 - Academia Baurense de Letras, 2003, e no livro Gerúndio, dezembro de 2007).

Eurico de Andrade Neves Borba
Enviado por Eurico de Andrade Neves Borba em 21/04/2008
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