Uma Desventura Holandesa, talvez [A preguiça não mata, mas...]

I - Ao passo da noite...

Acordado pelo gélido ar da noite

Que por muitas vezes o fez,

E com certeza o fará mais vezes também,

Abri meus olhos e pude perceber

Que uma imensa dor de cabeça

Consumia meu viver

Quis me levantar

Mas o doce prazer da prostração

Me arrastava cada vez mais

Para o fundo do colchão...

...sonhos...

E mais uma vez algo me acorda

Porém agora é som da maldita

Que vem a perturbar meu sono,

Como muitas vezes o fez.

Em minha vida [esteve e estará]

Me perturbando pela eternidade...

Tive que vencer meu desejo

E amaldiçoando tal pessoa atrás da porta

Decidi esquecer-me em estado recluso

E fui atender a maldita

Os olhos negros como a escuridão

Aterrorizados e amedrontados

E os cabelos lisos e perfeitos

Me gritavam seus desejos....

E a voz de tal corpo feminino

Cuja forma é estonteante,

Clamava pela ajuda inocente,

E conveniente, por assim dizer,

De um amigo inocente

E conveniente no caso do pedido...

Para a desventura sarcástica

Da prostituta que da cama me tirou

Eu disse estar com sono [pois estava]

E a porta se fechou na face dela.

Ao voltar para meu sagrado caixão

Não houve pelo menos um minuto

E eu já me encontrava conversando

Com elefantes e fadas brilhantes!

II - Novamente o fato maldito...

Eis que novamente

Vieram ondas sonoras,

Que rasgando o ar, anunciaram

Que tal amaldiçoado som

Provinha daquela que chamo de maldita

[Parece que sabem

Que adoro acordar

No meio da madrugada

Para abrir a porta, ao levantar]...

E com passos bem lentos

E também curtos demais

Caminhei na direção dela,

Aquela maldita...

...dois minutos se passam

E a pessoa atrás da porta

Continua a apertar o mágico botão

Que faz acordar qualquer infeliz

[e eu ainda caminhando devagar]...

Mas que os infernos engulam

Toda a escória da face da Terra,

Para que ninguém, nunca mais,

Venha perturbar-me os sonhos!

Digo isso porque meu ódio é imenso,

Pois ao que aconteceu tenho mesmo ódio

[e não confundo isto com amor]:

A amaldiçoada criatura humana

Que tanto tocou a porta

[a minha maldita]

Desistiu, e foi embora antes,

Pouco antes que eu chegasse

A encostar na maldita.

III - Oh pecado tão amável...

Quando a furia enfim

Desapareceu e deu lugar

Ao meu amado sono

Voltei, retornei ao repouso

Ao repouso perfeito

Que relaxa, tranqüiliza,

Entorpece...

Ao prazeroso descanso

Ao qual amo tanto; com o qual

Quase gozo...

...deitei...

Quase consegui ao estado

De inconsciência chegar

E mais uma vez

A minha maldita me chama

E lutando contra a curiosidade,

A favor do meu prazeroso descanso

Decidi não levantar, muito menos

Atender ao chamado da maldita,

E tentar voltar ao meu adorado sono...

Me convenci da seguinte forma:

Não tenho nada de valor,

Não tenho a quem me ame,

E ninguém ama a minha forma,

Ou minhas ideologias,

Só tenho verdadeiramente a mim.

Então que o resto suma do mundo

Pois mereço, sim mereço, meu descanso

Em qualquer formato: imundo,

Limpo, cansado, descansado,

Doente ou curado, ...

IV - Causa e conseqüência...

Antes tivesse eu atendido

A maldita [que é minha porta],

Ou poderia ter andado mais rápido também

Na segunda interrupção,

Porque ao acordar de manhã

E chegar próximo a porta [indo a cozinha]

Vi um papel no chão,

Em frente à maldita...

Ah! Como desejei

Que antes tivesse mudado

E por isto inventado

Um novo e brilhante "eu"

[inventaria tal mudança

Porque ninguém no mundo

Muda de verdade,

Todos criam uma máscara

E a usam diariamente

Para convencer a todos e a si mesmo

De uma verdade inventada,

Mas a verdade verdadeira

Existe sempre, não importando

O que os tolos fazem para esquecê-la...]

Mas o andar da carruagem

Pode comprovar para todo o povo

Que não mudei e não inventei

Nenhum "eu" diferente de mim,

E esta foi a causa...

Sim, esta foi a causa

Da perdição e decadência

De minha alma...

Hoje sofro, sinto-me desprezível,

Por causa da causa que antes disse,

Sim, a causa que disse, foi a causa

Que causou a minha morte interior...

V - Mas o que afinal havia no papel?

As palavras que estavam naquele papel

Eram malditas [talvez mais do que minha porta]

E me contavam que se eu tivesse levantado

De meu requintado refúgio, e atendido

A maldita porta [talvez agora seja uma bendita porta...]

Eu teria a chance que em meus sonhos

Eu tanto desejava [...que ironia...].

Eu desejava e sonhava com o momento

No qual eu poderia falar a minha querida

E para sempre amada por mim, que por fim ficasse

Aqui em meu recanto comigo, em meu caixão...

A tal mulher que por mim é querida

E para todo o sempre será minha amada,

Havia decidido que bateria a minha porta

E perguntaria se meu desejo ainda vivia,

Isto antes de, na manhã seguinte, viajar

E se casar com o homem a quem ela já havia

Prometido sua fidelidade [...que fidelidade essa...].

No passado, nós fomos amantes,

Um do outro,

E nunca houve nesse mundo

Um casal tão apaixonado e com tanta

Sincronia.

E pelo mundo não ser um conto de fadas,

Surgiu da inveja um homem,

Ele era poeta,

Que nos trouxe discórdia e traição.

Amaldiçoei o dito cujo por

Muitos anos, quando um dia ouvi

Da boca daquela a quem sempre amei,

E sempre amarei,

Que o amaldiçoado por mim

Era a quem ela queria e amava

E diante disso, a ela ofereci

Minha casa, meu dinheiro, meu tudo

E acima de tudo, minha vida também...

E ela recusou.

Passei dias angustiantes, agonizantes,

Melancólicos [e estes eram longos],

Decadentes,...

E foi então que passei a ficar trancafiado

Em meu amado quarto, em minha cama

E tentando não levantar para nada,

Absolutamente nada [nem comer ou urinar]

...lembranças perdidas não levam a nada....

Ao ler aquele papel, vi tudo isto

E infelizmente não chorei,

[elas secaram faz muitos anos]

Mas senti que, realmente, eu perdi

Não só a chance de ser feliz,

Mas a chance de mudar meus errados conceitos...

[só percebi que eram errados

Ao notar que se eu tivesse levantado

Para atender a porta, ou tivesse andado

Mais rápido para atender a porta, eu viveria para sempre

Como eu sempre quis e com quem eu sempre quis]

E o que me resta é continuar

Pois mesmo sem a felicidade do amor

Tenho meu lar,

Tenho a mim, e minha cama me ama

Ela nunca me apunhalará pelas costas

Nem que eu durma de costas

Para ela...

Eu aprendi a ser feliz

Usando a própria tristeza,

Mesmo que tal felicidade seja

Escatológica...

...mas em um dia, quando tiver

Coragem de traír minha cama,

Só então farei algo que já desejei um dia

[e desejo hoje também]...

Tal desejo é me jogar deste oitavo apartamento

E me esborrachar no duro concreto...

...estou deitado e meus olhos estão se fechando...

...minha cama me chama... ...estou quase... ...dormindo...

Mister Eric
Enviado por Mister Eric em 15/06/2006
Reeditado em 31/08/2006
Código do texto: T175750