CASQUINHA DE SORVETE
Do outro lado da rua
Onde eu moro
Existe um casarão colonial
Com muitas janelas na frente.
Outrora, ali
Em dias de festa
Donzelas casadoiras
Debruçadas nos cotovelos
Trocavam olhares e suspiros
Com os cavaleiros
Que passavam defronte.
Numa tarde qualquer
Arrombei uma das janelas
E mergulhei na penumbra
Daqueles cômodos enormes.
Das paredes amarelecidas
Envolta em teias de aranha
Uma galeria de retratos antigos
Me fitava com desconfiança.
Pelos quartos mobiliados
Havia leitos em desalinho
Ainda mornos do amor-primeiro
Daquelas virgens apaixonadas.
Na varanda do quintal
Tiritando de frio
Um diabinho choramingava
Praguejando contra a chuva
Que lhe derretera os chifres
Feitos de casquinha de sorvete.