A (RE) UNIÃO DO CEU COM O MAR

Andava, eu, solitário, um poeta sem vantagem,

pelo calçadão do Recreio, no domingo, um passeio,

deambulando o pensamento, respirando a paisagem.

O sol intenso desta primavera, que, após dias, voltava d’outras plagas frias,

à canícula já formava, fazendo empacar meu não-ofensivo passatempo,

para olhar e pensar no mar.Não, o pensar como um onírico território,

para qualquer poético devaneio, mas, num prosaico mergulho, com o poder de abrandar.

Fui levando o corpo, sem alívio, lá para a beira da praia.

- Que é isto, seu louco? (me repreende a razão bifronte,

quando me atiro de pronto, na água infinitamente fria).

- Queres, no choque, romper um vaso ?

- Queres ter um AVC?

Mergulhei, pensando no que eu podia querer?

Talvez, quebrar o acaso, este que une o mar verde ao céu azul,

pois as cores (sempre imaginei) são inevitáveis irmãs.

E de novo afundei a cabeça, ainda quente do sol.

Súbito, quando emergi, um susto: É como se visse um vulto,

no longe, caindo, caindo, em vôo e vertical-mergulho.

Penso que podia ter tido uma visão de atavismo,

tanto que, míope, duvido desta vista que inda apuro,

e reage ao tonteio do mar.

Se o sol, que lá ia no alto, tinha seu jeito próprio de ofuscar a visão,

havia também o frescor, que fácil, poderia, no delírio do prazer e da fé,

iludir e comover, para que a mente humana, pudesse ver mais do que é.

Mas, eis que meu olhar parado, n’algum ponto de alem-mar,

fez-se infesto ao ceticismo cartesiano de minha mente, descrente,

e no mistério, neófito, pude ver a gaivota, artesã laboriosa,

mergulhar seguidas vezes para desfazer o meu mal-feito,

chuleando o céu rasgado, reatando-o com o mar,

e tendo para o pesponteio, toda a linha do horizonte.

Ricardo S Reis
Enviado por Ricardo S Reis em 18/01/2007
Código do texto: T351253