Angelita

Sentada ao pé da escada

Vestido de missa

Com laço de fita no cabelo

A menina dos cabelos castanhos

Balança entre as mãos

O relicário da avó.

Ganhou quando completou quinze.

Isso lá se vai mais de dez.

Mas, ainda guarda na face

O rubor da meninice.

Nos pés, os sapatos de boneca brancos

Quase combinam com as meias, lilases.

Na altura da canela

Encobrem a vergonha de olhares despudorados.

Mas, por mais que recubra seu corpo,

Sua mente é astuta.

Busca delírios pecaminosos.

Tão somente entre as folhas de seu diário.

Guarda para si cada pecado mais perverso.

Para se arrepender, depois.

E autopunir-se em penitências.

Faz as vontades da mãe

A bigoduda dona Olinda.

Mulher do Horácio das Neves.

Seus desejos, suas ideias

São tão somente suas.

Suas e do seu fiel amigo de pelo, Astolfo.

Com suas orelhas em pé,

Ouve tudo e balbucia respostas.

Mas, não adianta.

Ela não compreende grunhidos e latidos.

Ela mal compreende a si própria.

É virgem de natureza e de signo.

Um pouco detalhista.

Com algumas manias de infância

Que não mais irão embora.

É teimosa feito mula empacada.

E quando empaca... Ah! Deus!

Guarda na pele o perfume das flores do campo.

E também o rosado do sol da manhã.

Gosta de caminhar entre os bancos de pedra.

Assim que o sol sai de traz das nuvens.

Não entende de modernidade.

Talvez nem saiba o que é isso.

Faz bolo de fubá com erva-doce

De lamber os dedos e os bigodes.

Servido com café de coador de pano.

Hum!

Findam a tarde de primavera...

É meio selvagem, por vezes.

Quer responder às avessas.

Mas engole um sapo ou outro

Só para não ter mais penitências a cumprir.

É boa de cama, mesa e banho.

Só não tem um par de botas para chamar de seu.

Talvez um dia encontre

Numa das viagens de trem, pela capital.

Talvez seja o picador de passagens

A suportar as espetadas

Dos bigodes da sogra intrometida.

Não sabe ela.

Não sabemos nós.

Sentada na escada de pedra

Espera a avó, Amélia, descer da maria-fumaça.

Vem com biscoitos de nata na lata

E com muitas histórias e conselhos.

Ensina feito menina

Aquela que um dia viu nascer.

E reza, baixinho

Para que não lhe dê nunca desgosto algum.

Sentada no primeiro degrau,

Fecha as pernas e abre os sonhos.

Para depois dividi-los com os papéis amarelados

A pena e o mata-borrão.

Seu nome?

Prazer!

Angelita.

HELOISA ARMANNI
Enviado por HELOISA ARMANNI em 29/06/2013
Código do texto: T4363816
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