Um quarto de lambança

Alguém me disse que poesia carece das figuras.

Lembrei depressa de meu quarto de criança

e do eu criança no quarto.

No meu quarto onde fui criança

havia figuras pelos quatro cantos.

Cantos sem canção, porém com figuras

de meu quarto de criança

Figuras descabidas, outras ambíguas,

as ressequidas, lambidas, fedidas

e aquelas mordidas (essas escondidas)

Figuras nas paredes;

Figuras nas linguagens;

Figuras nos móveis;

Figuras nas fantasias.

Ah, as fantasias de quarto de criança!

(Minhas figuras de mural, de linguagens,

movediças e imaginárias)

Tantas figuras!

Colantes de grifes no vidro cinza acortinado!

Meu quarto de criança não tem cortina

só resíduos de vidro adesivado.

Um quarto de criança configurado,

esquadro do meu mundo desfigurado.

Um quarto de criança,

jamais um terço!

Era criança católica

não católica criança.

Detestava contos

amava quadros.

Figuras de quatro cantos de uma quarta

Formas até com certo encanto

Entretanto

(e entre quatro cantos)

O quarto não tinha rima, tinha fábula

Não tinha verso, tinha drama

Não tinha dia, tinha episódio

Não tinha prosa, tinha poesia

Não tinha lembranças, tinha agonia

Não tinha bula, tinha conto

Não tinha ilusão, tinha alegoria

Não tinha acordo, tinha sono

Não tinha riso, tinha medo

Ao invés de céu estrelado um vasto chão pintado

Ao invés de aroma acolchoado do laranjal,

o fedor da urina cítrica no lençol quadriculado

Existia e existe

alguma vida neste quarto da criança!

Inda que meio imprecisa

Um batalhão de guardas

Um exclusivamente pra roupas!

Dois criados mudos!

Não surdos ou cegos, mudos,

com luzes de dois abajures

como dois seios acesos,

não os de minha mãe.

Não são tetas de mãe, não podem!

São tetas que não alimentam, clareiam os vultos

São tetas que não ninam, mimam as formas

São tetas que não conservam, derrubam sombras

Seio de mãe é um saco sem fundo de fulgores

que não alcança o chão pintado

desse meu quarto de criança.

Seio de mãe sabe emoldurar,

exibe as figuras e amamenta

a poesia indigente

dessa minha quarta parte criança