O que fui para ti?

Primeiro fui o barco.

Vistoso, longinguo, forasteiro.

Teus olhos vieram, mas teu corpo não.

Ficaste estairecido com o jeito dócil e feroz

Que atraquei em teu porto

Quiseste, eu sabia que irias querer

Desisperadamente

Se instalar de qualquer forma

Em mim.

Mantive minha conduta:

Fechei todas as portas para ti.

Mas as janelas seguiram abertas.

Segundo fui o cansaço, a tortura.

Dos teus meros encantos cassoei

Senti-me rainha;

Tu, sentiste escravo.

Gritaste com todas as vozes do mundo

Meu nome

Relutei ao sabor de acolher-te em meus braços

Te neguei doze vezes.

E numa tarde cinza te disse talvez.

Depois fui a chegada, a novidade.

Fiz-te curioso, te enchi de ansiedade até rueres as unhas dos pés

Deixei-me desfrutar sem dó e sem compaixão

Para que pudesses sem medo sugar-me, usar-me, corroer-me.

Antes que fosse dia.

Quando os primeiros raios de sol

Andetraram na nossa cama

Cama molhada, suada, cansada de tanto amar

Retirei-me, pois então, para que eu saisse ilesa.

Após, tive de ser a partida.

Esperaste meu retorno em silêncio, em vão

Te liguei muda e me despi para homens tolos

Não conseguiste amar ninguém e vieste me bater

Pintaste meu retrato em todas as paredes do mundo

Vagaste pelas noites vadias e nos butecos sujos

Deitei em qualquer cama

Num sussurro de prazer ou de dor

Vomitei teu nome em voz lírica

Descobri, finalmente, que sempre fui tua.

Então fui a volta.

Voltei mendiga, sofrida, calada.

Tu me olhaste surpreso

Gostaste, eu sei, de me ver implorar

Fizeste questão de me lembrar

Das noites que não durmiste

Dos socos que levaste

Das feridas que abriste

Das fichas que apostaste

Dos jogos que perdeste

Dos vícios que ganhaste

Da vida que deixaste

Por mim

Chorei arrependimento dias a fio.

Me negaste perdão, me negaste felicidade.

Eu me negarei viver sem ti.

E finalmente, eu fui o mar.

Joguei-me do mais alto penhasco

Cai no mais fundo mar.

Segui, suave e plenamente o percurso das ondas

Tu me deste um adeus lépido e sutil

Pos fim, viste quão fatal é um não de amor

Para quem nunca soube amar.

Cecília Richter
Enviado por Cecília Richter em 27/02/2008
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