Valsa dos meus sonhos

A valsa que meus dedos segura

é uma flor que derrama

suas pétalas

sobre o altar.

Nenhum lenço conterá

tamanha comoção

de um vulto estirado

sobre o lençol da manhã.

O jornal adormeceu à porta

e não serve para amanhã.

O que desgasta a mente

não poupa a vida.

E o orvalho que transita

entre o fio e a teia

se avoluma sobre o céu.

Então o sol se alardeia

e toca fino o varal.

Das prateleiras empoeiradas

os livros fugiram

e se encolheram diante do grito do trem.

Mal sabem que esta valsa

tocada em si bemol

é uma fuga em ré menor.

A fumaça anuvia o dia,

solta um hálito matinal.

Não há como fugir do futuro,

que bate às pressas no portão.

E as súplicas do carrossel semeiam

as parcas sementes de brinquedo.

O desabafo da cordilheira

inunda o rio das pedras,

cristalinas como o silêncio.

A espuma veste a vegetação

da ilha solitária,

no mais profundo lamaçal.

E esse inverno só faz graça

de devolver à terra

a pouca água que evapora.

O escuro da noite é duvidoso

na sombra adormecida

longe do isolamento.

Não há curvas, não há vento!

Temos o sentido etéreo

divagante do imprevisto.

E a linda bailarina

calça as sapatilhas

da valsa do alento.

Esse espasmo já não apavora,

corta as dores do passado,

pisa levemente o tablado.

E ouço os violinos afinados

em clave de sol,

desfiando a valsa, apontando a bailarina

em seu véu de tule e graça

a irromper o espaço.

Sonho com a terra enfeitada

de pequenos feixes de trigo,

nas mãos da princesa dourada.

Há um mistério nas datas

que os tempos não contam

- talvez por medo,

- talvez por pirraça.

Flores que se alinham à tarde

recolhem gotas de sal

da boca minúscula de insetos,

a sobrevoarem o quintal.

Desço um labirinto de notas

que escurecem

meu pequeno vaso,

onde deposito todos os suspiros.

Junto, ao redor do costado,

conchas madrepérolas

do cascalho soltam-se na praia.

A valsa me acompanha

e me enleva.

Além, há corredeiras da tarde.

Sopro um dente-de-leão ao relento

e colho presentes do verão.

São Paulo, 15 de julho de 2009.

Marcela de Baumont
Enviado por Marcela de Baumont em 19/08/2009
Reeditado em 19/08/2009
Código do texto: T1762545
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