TENHO MEDO DE ESVAZIAR-ME

Tenho medo de um dia esvair-me

E nada poder oferecer-te

Senão meu olhar, minhas carências

E tornar-me então península

Pontiaguda, pontual, esguia

Estreita e desterrada

Não mais a baía que aconchega e aninha

A te abrigar dos teus glaciares dias

Das tuas inseguranças e tuas certezas

Medo de restarem apenas minhas mediocridades

Minhas humanas fraquezas

Não poder oferecer-te o sol como agora

Temo um dia tornar-me vazio

Sombrio, com um amor ázimo

Desprovido do fermento da paixão

Dessa torrente avassaladora e sem brios

Despudorada como uma rameira

Voraz como um canibal

De não poder dar-te a dor e o prazer desse amor

Que vem crescendo com meu consentimento

Com minha permissividade sem escrúpulos

Que alimento cada dia com ilusões

Com ações, intenções e gestos

Como quem alimenta um cão vadio

De suposições, delírios e sonhos

Insaciável, despudorado e sem limites

Com a fúria e a nobreza dos samurais

E com a singeleza das cerejeiras em flor

Amor que eu afago e acolho

Sinto-me vulcão

Pleno de lava, que sólida se tornará rocha

E vai amalgamar nossas entranhas

Ao ser expulsa com meu calor