Alguém, por favor, diga a ela...

Alguém, por favor,

Diga a ela do meu sofrer

Diga o quanto penso nela

Com meu corpo e minha alma

Inclinados numa existência magoada

Onde tudo chama – tão somente – por ela

Diga que tenho medo do vento

Das distâncias, do inverno

Enfim, medo das coisas que passam

E levam algo que queríamos pela vida inteira

Diga que a menor lembrança dela

Arranca-me da cama antes do sono

E ao meu mundo desarruma no completo caos

Fale que nunca a esqueci

Por jamais tentar tirá-la de mim

Pois tenho todos os gestos e jeitos dela

Guardados na memória das minhas manhãs de sempre

Fale que vivo um feio rascunho de existência

Desde que ela se vestiu de despedida

E que enlouqueço em delírios

Tentando refazer o gosto daqueles lábios

Em bocas que não me selam a respiração

Nem tampouco me acariciam serenamente os ombros nus

Alguém, por favor,

Diga a ela que meu coração adoeceu

De tanto fantasiar o regresso

Com ela cada dia mais minha

Transfigurada e perdida em mim

De tal bruta forma que me violasse

Até os pensamentos mais secretos

E as inspirações obscenas do corpo

Diga que sinto falta e esperança

De uma maneira extraordinariamente burra

De algo que não tenho

E talvez nunca mais tenha

Porém, é dela a ausência

E aceito tê-la mesmo em forma de saudade

Peça a ela que me perdoe

Por amá-la mais do que posso

Ou do que devo amar

E de querê-la na intensidade de uma eternidade

Quando só tenho o tempo breve de uma vida

Alguém, por favor,

Diga a ela do meu desespero

Mas não fale suavemente

Fale como um ator que recita Shakespeare

Frente uma platéia barulhenta

Para que a rua ouça

Para que o bairro ouça

Para que a cidade ouça

E se puder, por favor,

Para que o mundo inteiro ouça.