Dizeres em torno do amor

ao amor é dada a vazão

de ser assim tão de repente

que não lhe sobra a feição

de matéria inconseqüente

pois por mais desavisado

nos verbos em que se assente

diga-se de tal constância

que palavras lhe acrescentem

apenas o invólucro

de parecer diferente

ao amor é dada a concisão

de parecer-se infinito

mesmo que se tenha à meias

nalgum desvão dos sentidos

é que lhe atesta a distância

a temperança do rito

quando descamba pelas mãos

num gesto mais irrestrito.

ao amor é dada a confluência

dos rios em que se navega

e mesmo sendo líquido

é tão parente à pedra

que resta quase montanha

no peito de quem lhe perde

ao amor é dada a economia

de parecer-se adimplemento

de tudo que se agregue

no peito da consciência

é que lhe falta a razão

de ser assim comedido

e bastar-se em medidas

em que se tenha contrito

ao amor é dado o desplante

de ser um carnaval invertido

onde nada do seu avesso

habita simples indício

de que é uma festa renhida

da plenitude do siso

nada do que lhe é próprio

é propriamente sentido

pois sempre escapa à razão

de ser quase um grito

ao amor é dada a diversidade

de ser um um divisível

por todas as abscissas

de qualquer algarismo

pois sua matemática

é de escorreita decisão

nunca se tem em números

mas em unívoca contração

que trama a franja do peito

nos traços de qualquer não

ao amor é dada

a estranha similitude

de parecer-se a si mesmo

embora tanto se cuide

de mostrar-se diverso

numa mesma latitude

em que o coração transita

do tamanho de sua luta

ao amor é dada, enfim,

em todas as medidas

a plena concepção do trânsito

que acelera a vida