Na noite, uma mulher sente saudade...

Na noite fria

Olhos preguiçosos

Buscam uma rima...

A folha em branco e a caneta

Me observam...

Mãos teimosas

Querem escrever, mas não conseguem...

É hora morta...

- Saudade do que ainda não tive

Impede a mão de escrever o verso...

E meus olhos passeiam para fora do meu quarto

Nas ruas úmidas e geladas desta noite...

(- Úmidas como meus olhos... Geladas como minhas mãos...)

- Não quero que se rompa o fio de prata...

Se eu sair, não voltarei, é certo.

A liberdade me chama para longe

Quando eu te queria aqui bem perto...

Palavras que não foram ditas...

Lábios que não beijaram

Corpos que não se entregaram,

- Mas os olhos... Como falaram!...

Versos adversos já percorreram folhas...

Agora é a hora da calmaria...

Nostalgia... Do que ainda não se teve...

(- É possível?...)

Duas solidões se encontram

E choram na noite fria...

Quão distantes estamos... E tão perto!...

Qual o motivo que afasta a mim de ti?

Qual o espaço que medeia o meu coração do teu?...

- Saudade da paixão que não provei,

Do gozo que não possui,

Da calma que precede o amor

Se eu ficasse eu junto a ti...

Antevisões são miragens...

- Desvanecem-se no ar.

E eu fico amando saudades

Da paixão – a imaginar...

Sonhos loucos, não vividos,

Enquanto tão longe estás...

Lábios preguiçosos tomam vinho

Vendo o fogo de a lareira enfeitiçar...

O seu crepitar é música tristonha

Pra quem só sabe sonhar...

Adormeço. Vôo longe...

Cai a taça de cristal...

Longe badala um sino...

É um sino de Catedral?...

Não! É o piano que toca

Sentindo falta de ti!...

A folha em branco no colo,

A caneta cor carmim,

Num lampejo, jogo longe,

Em direção à lareira:

O verso abortado em mim...

No tapete, pego a taça,

Ponho o vinho até o fim...

De costas para a lareira

Faço um brinde para mim

E jogo a taça, após ele...

Que se vá para seu fim!...

Para que irá servir

Uma taça só e vazia?...

- Talvez seja como eu:

“Amar, sofrer e esperar...”*

Continuar a me enganar...

Ou o meu amor quebrar...

- Saudade do que não tive...

Na noite fria

Uma mulher não amada

Busca por uma rima...

Olhos preguiçosos dirigem-se para a cama,

Cama que se torna imensa

Para uma mulher só...

Tiro o chambre de cetim

Desnuda me mostro assim...

Nua?... Nua está a minha alma,

Amargurada, sem fim...

A cama acolhe esse corpo...

Tristemente apago a luz

Do abajur de marfim...

Pela fresta da janela

Vê-se um raio de lua...

Uma mulher de alma nua

Reclama por quem anela...

Sei, na noite, enfeitiçado,

Tu olhas triste pra a lua

E chamas meu nome, a mim!...

- Isto é o que quero pensar...

Sorrindo adormeço

Com saudade do que não tenho

E nem jamais eu terei...

- Talvez melhor seja assim...

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*NOTA: Menção à Trilogia de Érico Veríssimo, onde, segundo a personagem Bibiana, às mulheres cabia apenas: "Amar, sofrer e esperar"...

ESPERANÇA
Enviado por ESPERANÇA em 16/07/2009
Reeditado em 16/07/2009
Código do texto: T1703054
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