Namoro de sapatos

Sob à mesa - discretos e excitados - os sapatos se namoravam -

sem se importar com as movimentações das pessoas no jantar à luz de velas.

Os dela, delicados, rosa-clarinho, bico fino - enfeites azuis nas laterais,

salto gigante - comprados em Paris.

Os dele - abrutalhados - couro-duro, tamanho 43, frente achatada,

feito aqueles antigos caminhões de baú - lembram? -

certamente adquiridos em algum camelô do centro da cidade.

O contraste era perfeito - mas era justamente - o que os aproximavam.

Tocavam-se um no outro, - no começo, timidamente, encostando-se nas pontas, nos lados, nas solas, nas pontas, nos calcanhares.

Era puro tesão entre os sapatos - cúmplices, solitários e silenciosos naquela bela história de amor.

Por cima, os demais comensais se embebedavam entre queijos e vinhos -

embaixo - só carinhos.

Um sapato penetrando no outro - misturando-se, invadindo-se, roçando-se, acariciando-se - chegando a rasgar as finas meias de seda.

Acima, olhares desejosos um do outro, hipnotizados, apaixonados, enternecidos - suores escorrendo, lábios molhados, línguas inquietas, corações palpitantes.

Os protagonistas nem se preocupavam em degustar a farta comida à mesa.

joão joão
Enviado por joão joão em 30/04/2010
Reeditado em 15/06/2013
Código do texto: T2228686
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