Amor Anormal

Sentir o proibido não é nada

Pior é aceitar o proibido

Num rumo qualquer de estrada

Ou na dolorosa manha da libido.

O outro não quer minha atormentada insônia

Muito menos que eu mude meu misterioso hábito

Só quer sentir o sufoco e o cheiro de sua agonia

Dentro do denso aroma que sai de dentro do meu hálito.

Não é nada atender o desejo do outro

Pior é fazer com que esse desejo seja também seu

E ver dentro da lama do outro o ouro

Acreditando que o calvário é um doce himeneu.

Entregar-se à perversão passiva

É muito difícil como cômoda intolerância

Que revertida em condição da vida

Brota em nosso peito uma vacância.

Da janela da minha casa

O vento me beija numa linha retílinia

Mas vejam: estou sem graça.

Lembrei-me que esta casa não é minha.

Olhe só toda a beleza

Que a morte desta tarde nos oferece

E preste atenção em toda destreza

De me encantar com seus olhos de quem não me conhece.

O futuro me assusta muito

Com a ajuda do tempo me agride

Com ameaças de sérios infortúnios

Onde o chão sob meus pés resiste.

O outro também quer me dominar

Como o futuro e o tempo ele também é assim

Com frieza e crueldade quer me usar

Sem saber que também será vilipendiado por mim.

Com seu cinismo ele comanda a brisa louca

Transforma nosso encontro num fato casual

Ele quer sentir o odor de seu sêmen em minha boca

Mas isso são sonhos imundos que povoam minha cama de casal.

Em seu feitiço ele busca uma corda de banjo

Em seu silêncio ele busca um bocal de clarineta

Pares de asas vermelhas de anjo

Pares de chifres brancos de capeta.

O outro sou eu num idílio híbrido

o outro somos nós num dilacerado momento.

Que desenha o amor anormal e ilícito

Num papel invisível rasgado pelo vento.

Esse amor que por se ousar existir

Subvive a margem do planeta

Prestes a se deixar cair

E ser amparado por um rabo de cometa.

Não sei o porquê de todo esse desprezo

Se tudo que aí está é amor

Queria falar de todo o meu desejo

Sem causar deboche nem horror.

Pois o outro me reconhece como um mero conhecido

Me cumprimenta como um qualquer que por acaso me vê

Conversa comigo como um velho e intímo amigo

E pede meus carinhos com a carência e dengo de um bebê.

Dedico esse texto a memória de Clarice

E continuo sufocando a minha agressividade

Pois a anormalidade me disse

Que o amor e a arte é que salvarão a humanidade.