Confessional
Se quer saber onde e como estou
comece tirando esses erres, ésses,
o vós, o tu, as formalidades,
e corra para a frente do espelho,
olhando nos seus meus olhos e
dizendo bom dia ou qualquer outra coisa autônoma
que preste para os outros.
Se quer saber onde e como estou,
caminhe devagar entre as luminárias
ofuscadas pela sujeira das ruas vazias
de uma vila qualquer.
E se ouvir um gato, miando,
solitário,
não me procure ali - mas no
Barulho
que a noite silenciosa teima em fazer.
Se quer saber onde e como estou
beije a superfície gelada da água de um lago
estagnado
e quando vir as pequenas ondas formadas,
e quando sentir o gosto estranho da água parada,
olhe para o fundo, para o lodo, para o lume escuro
e esqueça quem você é
o que você fez
procure por mim.
Mas a verdade que dói, queima, rasga,
arranha, sangra, corrói,
é tão só uma:
você não quer mais saber como,
nem onde estou.
E quando olho o fundo sujo do copo
E quando não vejo mais a bebida amarga
Lembro o passado que hoje nem é mais passado.
Se quiser saber quando e onde estou
é só ligar.
Continuo imóvel.
Esperando.
Com o copo estilhaçado nas mãos.