Confessional

Se quer saber onde e como estou

comece tirando esses erres, ésses,

o vós, o tu, as formalidades,

e corra para a frente do espelho,

olhando nos seus meus olhos e

dizendo bom dia ou qualquer outra coisa autônoma

que preste para os outros.

Se quer saber onde e como estou,

caminhe devagar entre as luminárias

ofuscadas pela sujeira das ruas vazias

de uma vila qualquer.

E se ouvir um gato, miando,

solitário,

não me procure ali - mas no

Barulho

que a noite silenciosa teima em fazer.

Se quer saber onde e como estou

beije a superfície gelada da água de um lago

estagnado

e quando vir as pequenas ondas formadas,

e quando sentir o gosto estranho da água parada,

olhe para o fundo, para o lodo, para o lume escuro

e esqueça quem você é

o que você fez

procure por mim.

Mas a verdade que dói, queima, rasga,

arranha, sangra, corrói,

é tão só uma:

você não quer mais saber como,

nem onde estou.

E quando olho o fundo sujo do copo

E quando não vejo mais a bebida amarga

Lembro o passado que hoje nem é mais passado.

Se quiser saber quando e onde estou

é só ligar.

Continuo imóvel.

Esperando.

Com o copo estilhaçado nas mãos.

gueen
Enviado por gueen em 26/11/2006
Código do texto: T302212