UNS POEMETOS DE AMOR RASGADO...

- I -

NOBRE ARTE

Lembranças laceram-se em escaras,

feridas descansadas, perfeitas

para pormos o dedo da saudade nelas

e fazer sangrá-las sem sequer vê-las

- Quem clama essa dor, soca a própria cara -

- II -

O PERDÃO DE UM É REDENÇÃO DOS DOIS

Suporta a crua mágoa

e os destemperos da minha carne.

Bem sei que o que te estraga

provoca em ti o mesmo alarde

que em minha derme calada amarga...

Afasta as intervenções do temor covarde

e alforria de vez o que te(me) embarga!

- III -

ESCABROSA EMPATIA

Permiti-me olhar a mim

como tu mesma fizesses.

E não me desejei por teus olhos,

não te deleitei por minha imagem,

nem querer mais quis fitar-me...

Enjeitei-me, em ti, de regalar-te.

Desacolho de pretender-me

pelo fustigo dos olhos teus

tamanha a indiferença em ti

pela fieza de não acarar-me...

- IV -

FURA-OLHOS

Apego-me à coragem constante

para rejeitar, com arte, tua imagem...

...queima-me os olhos de fogo selvagem

flamejando-me deste sondar-te desconcertante!

- V -

ARRITMIA DA DOR DE AMOR

A dor de amor se esgoela

porque não se enxerga absurda.

Desnudada, é empacada mula

aos corações incultos

que dispensam controlar

os batimentos caducados

deseducados pelos ritmos

destes bestalhões apaixonados...

- À dor de amor não cabem algoritmos -

- VI -

SOLIDÃO, AGITADA CALMARIA...

O gosto dum beijo teu

reascendeu à minha lôbrega boca

e olha que teus lábios nem ancoravam os meus...

dei-me conta da desdita mouca...

... uma recidiva lágrima salgada

rasou minha face eremita,

mareando a língua lassa

a velejar, intacta, a calmaria

do oceano da tua falta...

- VII -

PERDIDO POR UM, PERDIDO POR MIL

Passa ao largo do sono.

Sai inconfidente ao luar.

Despista-te do abandono

ou a noite piche vai te pichar.

Não possuis rumo ou dono...

Arruma um amor para amar

que a lua paga-te o abono

- VIII -

SELVAGEM AUSÊNCIA

Tua ausência incorporou-se a mim...

desabrolhou carne do meu ventre

Doravante juntos em una viagem,

vigora e arde, algoz, em posta ebuliente

Minhas íris fenderam-se à tua imagem

ai, tua ausência a cavar-me crateras,

picadas no matagal selvagem das feras

por d'onde meus amores interagem...

- IX -

HOUVE UM TEMPO...

Houve um tempo de palavras,

tempo de gestos,

tempo de mágoas,

tempo de inabaláveis risos...

Ao fim, houve um tempo

que bem serviu para nada:

- Não subverta nosso passado

pelas vias da saudade, minha cara...

- X -

QUEM AMA MATA, SIM SENHOR...

Já que tenho que te doer

Seja eu o tigre implacável:

Aquele que, beijando-te,

No prazer espedaçará teu rosto,

Que, tomando-te,

Arrancará deleite das tuas tripas

E, amando-te,

Matar-te-á por um delirante gozo.