À uma Amiga
Todo dia é igual ao outro:
Escuro após o breu
Incerteza após a dúvida
Vazio após o nada.
E ela não tenta, só se concentra
No que amarga e fere
No que gera dor, no inerte
Como espectadora de si.
Ela caiu fundo
Na vida, no quarto, na alma
E esqueceu do único valor:
Aquele que junta as palmas
Dos que antes juraram amor.
Ela finge que não vê
Finge que não sabe, que não crê
Esqueceu do longo abraço sincero
Se acomodou na solitária quietude
Dormiu sem a esperança do "eu quero"
Talvez ela ainda se esforce
Para se achar na dobra do Tempo
Mas ele passa com tal velocidade
Que os brancos cabelos da idade
Se embolam na curva do vento
Todo dia é igual ao outro:
Ela muda as brancas páginas
Do livro que já foi sua Vida
Que já teve capa e capítulo
E hoje não tem nem mais título:
Cada texto é seu medo fantasma.
Olha, moça, tenta de novo
Tenta e levanta, solta a voz e garanta
Seu lugar ao sol, sua passagem, seu farol
Livra a garganta daquele imenso grito
Abra os braços ao léo, ao infinito
Manda logo a tristeza embora
Que o mundo ainda te espera lá fora.
Salve seu coração!
Para alguém que ainda valha a pena
Aprender, rir, cantar e morrer.
Vista-se de seu avesso perfeito
E mostre que ele ainda bate e cativa
Desenterre-o do peito agora!
E viva.