Ode ao Amor

Amor, não tenhamos ilusões.

Na minha idade

já não é possível

enganar ou enganarmo-nos.

Fui, talvez, salteador

de estradas,

mas não me arrependo.

Um profundo minuto,

uma magnólia esgarçada

pelos meus dentes

e a luz da lua opalina.

Pois bem, e o balanço?

A solidão manteve

a sua rede entrelaçada

de frios jasmineiros

e então

a que veio a meus braços

era a rosada rainha das ilhas.

Amor,

mesmo que caia

uma gota

durante toda

a nocturna

primavera

não se engendra o oceano

e eu, solitário e nu,

esperando fiquei.

Mas eis aquela

que passou pelos meus braços

como uma onda,

aquela,

que foi somente um sabor

de fruta vespertina,

subitamente

pestanejou como uma estrela,

ardeu como uma pomba

e na minha pele

senti que ela

se desatava

como a cabeleira duma fogueira.

Amor, tudo foi mais simples

desde aquele dia.

Obedeci às ordens

que o meu olvidado coração ordenava

e enlacei a sua cintura

e solicitei a sua boca

com toda a força dos meus beijos,

como um rei que arrebata

com um exército em fúria

uma pequena torre onde cresce

a açucena selvagem da sua infância.

Por isso, Amor, eu creio

que emaranhado e cruel

pode ser o teu caminho,

mas que regressas

da tua caçada

e quando acendes

novamente o fogo,

como o pão sobre a mesa,

assim, singelamente,

deve estar o que amamos.

Amor, isso me deste.

Quando pela primeira vez

ela veio a meus braços

passou como as águas

numa despenhada primavera.

Hoje

dou-lhe guarida.

São estreitas as minhas mãos pequenas

as órbitas dos meus olhos

para que elas possam receber

o seu tesouro,

a cascata

de infindável luz, o fio de ouro,

o pão da sua fragrância

que são singelamente, Amor, a minha vida.

Pablo Neruda
Enviado por Carlos D Martins em 08/01/2015
Código do texto: T5094843
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