ÚLTIMO DOMINGO DO MÊS

Nesta manhã de domingo

corações sensíveis sobre o telhado

espiam o rio de sangue que corre

e atravessa todo o país...

Mães que perderam seus filhos para a guerra do tráfico

choram suas lágrimas que lavam as calçadas que os soldados pisam

meninos nas esquinas do pecado espiam prédios cheios de políticos

que compram e vendem a honra de uma terra de lutadores

que nasceram para vê-la crescer e torná-la viva

predadores de almas penduram espíritos

sobre o varal de dinheiro estendido

no templo do profeta...

Nesta tarde de domingo

sonhos sensíveis sobem nas árvores

recitam poemas a quem passa choroso

à procura do berço em cipó trançado...

Pais que tem suas marmitas esvaziadas pela fome dos capitalistas

estendem a mão e procuram a pepita de salário na lixeira

do palácio onde presidente e governadores e senadores e deputados

mamam como se fossem bebês esculpidos em ouro

sendo sacudidos para o arroto por escravos nordestinos

e o país em sangria que não se estanca

procura o hospital que está de portas cerradas

para o povo que se arrasta como num clipe de Michael...

Nesta noite de domingo

abóbodas celestes se abrem sobre cabeças pensantes ou não

e anjos descem solenes com suas espadas de fogo

espiam florestas incendiadas e cospem fogo

os gritos que ecoam pela noite sobem pelas escarpas

todo o veneno cultivado pelo homem volta ao homem

como se fosse picado pela cobra de seus pesadelos

pela porta do circo montado pelo Diabo entram senhoras e senhores

acorrentados à sua servidão e comem restos de memórias

o sal que cobre as estradas salga os pés dos que caminham

em busca de oásis e mansidão enquanto o céu canta

e derrama fel sobre os ombros dos que carregam suas cruzes

mas o mundo é assim mesmo e tudo isso foi você quem fez

você construiu o ódio e o tédio e a miséria e o desprezo

e nada vai mudar pois o destino se é que existe te quer

caminhando sobre a prancha e lá embaixo

onde cães lambem feridas

tua alma incendiada

ri e chora

da própria loucura...