EXÉRCITO DE SOMBRAS

E uma voz me disse:

“Poeta! Olha e vê!

E eu olhei e vi.”.

vi um exercito

De mãos enfileiradas

À beira do caminho,

Mãos paralisadas

Que se fechavam silenciosas

Perfilando-se à beira Da estrada,

E todas elas estavam molhadas

Das mesmas águas

Que um dia lavaram

As mãos de Herodes.

E a voz tornou a falar:

“Não te espantes

E continue a olhar.”.

Continuei a olhar e vi.

Vi que uma terrível escuridão

Subia das águas

Que caiam gota a gota

De cada uma das mãos,

E uma névoa fria

Subia da terra

Ajuntando-se em nuvens

Que escondiam o sol

Escurecendo a rua.

E a voz tornou a bradar

Para ferir meus ouvidos

Gritando tão alto

Como o som de um trovão:

“Continue a olhar!”.

E olhei e vi, e vendo escutei.

Escutei o som de passos

Que marchavam pela noite escura

E vi um exercito

De pés feridos em chagas

Pintando de vermelho

O solo em que pisavam

Enquanto caminhavam

Pelas ruas da cidade.

E eram pés pequeninos,

Tão pequeninos!

Pés que jamais haviam

Pisado sobre o solo

Correndo, saltando, chutando,

Dançando, brincando...

E jamais brincariam!

Mas marchariam!!

E marchavam...

Marchavam pouco a pouco

Sangrando passo a passo.

Sendo tomado de imenso pavor

Clamei aos céus

Perguntando à voz

O que era aquilo,

Mas a voz calou-se,

Então escutei um lamento

Que brotava das mãos

A tombarem uma a uma

Como ossos esbranquiçados

Espalhados pelo chão.

Mas o exercito de pés pequeninos,

Tão pequeninos!

Continuavam a marchar

Crescendo mais e mais

A cada passo marchado,

E foi então que percebi horrorizado

Entre os ossos espalhados pelo solo

Os ossos dos meus vizinhos,

Amigos, vizinhos, parentes,

Todos estavam lá!

Até mesmo os meus!!

Até mesmo os seus...

Mas o meu maior desespero

Foi descobrir

Entre tantos e tantos pés

Os pés do meu próprio filho.

Caro leitor,

Essa poesia

Escrita em prosa

Que canto em versos

Foi feita pra te dizer

Que um exército de crianças

Com redução micro encefálica

Pode se formar a qualquer momento

Pelas ruas da nossa cidade

Se as nossas mãos continuarem paradas.

Faça a sua parte e

E entre no combate

Ao mosquito da dengue.