AUTO - RENDIÇÃO

AUTO-RENDIÇÃO

Um dia, eu decidi que ia ser de pedra

E, como num trigal o joio, às vezes, medra,

Enchi meu coração de sensações amargas.

Não quis reconhecer que havia formosura

Na essência interior de cada criatura

E, em vez de aliviar, lhes redobrei as cargas!

Um dia, eu decidi que ia ser diamante:

Soberbo e radical tornou-se o meu semblante;

Cortava os corações e nunca fui cortado!

Bastava-me a mim mesmo e fui, exatamente,

Escravo da ilusão impressa em minha mente

De inflar-me na altivez, pra ser mais respeitado.

Um dia, eu decidi que ia ser de ferro:

A quem me sussurrou, apresentei meu berro.

A quem me cochichou, ofereci meu grito.

A quem me amou, eu dei desprezo tão profundo,

Que, em breve, eu me tornei algoz de todo mundo:

Julguei o certo errado e nada achei bonito!

Um outro dia, eu decidi que ia ser de aço

E, assim, fugi do beijo e escapuli do abraço...

Achei que ser carente é mera covardia!

E fui carente, então, de toda a plenitude,

Apenas por pensar que o auge da virtude

(Pra lá da perfeição!) comigo residia.

Um dia, eu decidi que ia ser de cobre

E, mesmo que eu não fosse, assim... metal tão nobre,

Faria o mundo inteiro rebaixar-se a mim;

E, quanto menos nobre e quanto mais grosseiro,

Amou-me mais ainda o mundo desordeiro,

Que aplaude a fronte altiva e fez-me duro assim.

Um dia, eu decidi que ia ser de prata:

Fazer carreira solo nesta vida ingrata,

Andar purificado em meio à podridão!

E eu me determinei viver, aqui, sozinho,

Pisando a multidão que visse em meu caminho

E todo companheiro, já lançado ao chão.

Um outro dia, eu decidi que ia ser de ouro

E, acumulando ganhos sobre o meu tesouro,

Senti-me, frente à massa, o astro principal;

O mais engrandecido, nos padrões terrenos,

Do mundo recebendo os risos e os acenos,

Por tudo o que lhes desse... e até lhes dando o mal.

Um dia, veio o amor: não decidi mais nada!

Não quis ser pedra bruta e nem ser lapidada,

Deixei de ser de ferro, de aço ou diamantino.

O amor chegou-me como um toque de magia:

Senti que transformei-me, desde aquele dia,

E nunca mais fui áureo, argênteo nem cuprino!

O amor nunca se ufana, o amor é só doçura:

Extrai do nosso ser raízes de amargura,

Dá paz ao coração e muda a nossa história!

Ninguém decide amar! Contudo, quando se ama,

O amor decide em nós: desfaz poder e fama

E emprega a rendição como arma de vitória!

Por isso, quando amei, eu desisti de tudo!

Rendi-me e me nutri de um senso mais agudo:

Senti que a solidão nenhuma bênção traz!

Achei, nessa visão, a paz que, antes, não tinha

E enfim compreendi que, pra surpresa minha,

O amor é quem outorga a verdadeira paz!