ESPANTALHO



Ah! Eu queria dizer-te
Que me enleio nos teus caminhos
Neste lugar de frutos maduros
Em que lindos e leves pássaros
Vêm beijar-me a face costurada
E nidificar neste corpo de pano...
Eu, espantalho perdido, preso à estaca
Braços abertos sobre os girassóis
Nesta espera incansável
Pela colheita que nunca chega...

Ah! Eu queria que soubesses
Das pedras que afastei,,
Dos garranchos que cortei,
Dos golpes que evitei,
Das vezes que chorei,
Dos medos que enfrentei,
Do quanto me humilhei,
No afã de te encontrar...

Ah! Eu queria que visses
A minha dupla peleja:
À luz do sol, quando te ergues,
Envolvo-te de energia
Para conservar-te vivo.
Enquanto dormes inocente,
Ponho-me a espantar-te
Os corvos e os estorvos
Que insistem em perturbar-te o sono...

Ah! Eu queria mostrar-te
Este rosto desbotado,
Este coração remendado,
Estas mãos sem força
A expor-me ao vento, à chuva e ao sol...
Este olhar sem brilho, fixo no horizonte
A contemplar o crepúsculo
No poente incendiado

Que vai descendo...


Segundo sarau do Recanto das Letras
Lídia Bantim
Enviado por Lídia Bantim em 19/07/2016
Reeditado em 19/07/2016
Código do texto: T5702753
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.